sábado, 22 de fevereiro de 2014

Brincadeira



Lia muito.
Lia de tudo.
Sempre lera muito...
Sempre lera de tudo...
Desde pequeno, já lia coisas de adulto,
E já lia mais do que muito adulto,
maduro e estudado ,
culto ou formado
em licenciatura ou bacharelado
e, principalmente,
mais do que qualquer pós –graduado...
pois ler era mais uma brincadeira, simplesmente.

Outra brincadeira, ainda mais divertida,
talvez, era a de escrever.
Misturava palavras que lera
de forma rápida e batida
alguma vez
em algum livro que não conseguiu, de todo, entender,
com as de outro que já lhe havia ensinado algo sobre viver...
Besteira!
Um monte de besteiras,
algumas copiadas, outras já desenvolvidas,
mas tudo um monte de besteiras,
ao menos do ponto de vista de um adulto
brincadeiras de um menino esquisito
que lia demais.
Lia e escrevia demais,
um monte de besteiras...

Mas crescera
brincando de aprender
a andar, ler, escrever,
lutar, beber, foder,
amar e as lágrimas esconder,
aprendendo a brincar de viver
como um adulto boêmio de profissão
mas sem samba ou patrão
sem eira nem beira,
sem trabalho ou intuito,
vivendo de esmolas do mundo
e da xepa na feira, se muito,
pois lá o chamavam de vagabundo,
ou ladrão ou tarado
ou vadio ou viado ou moribundo
ou safado...
Não há mais nenhum livro na cabeceira,
prateleira, gaveta ou publicado
pois se esquecera
de aprender a se confessar
e, talvez, ser perdoado.

Sem perdão, salvação ou freira,
crescera sozinho
E percebera, num moinho
de confusões, ideias e lágrimas,
que as palavras
não eram brincadeira
nem besteira
de criança assustada
e abandonada.
Se assustou ao ver
que de tanto escrever e ler
perdera o controle
sobre suas palavras escritas
ou ditas
e o interesse pelas alheias.
Tudo que lia ou escrevia,
ou ouvia,
ou via ou vivia,
lhe parecia fraco e repetitivo
ou óbvio e inútil.

Escrevera e lera
tanto
que esquecera
da vida e do pranto
dos versos gelados da cerveja
de domingo,
da conversa fiada,
do vizinho inimigo,
da amada e da batucada...
e, de repente, não se sabe
ao certo quando,
como ou porque
sumira em alguma madrugada
pra nunca mais aparecer.

Nunca mais eu o vi, pelo menos,
alguns dizem que se matou
outros que fugiu pro exterior
outros que foi preso por algo que roubou
e há outros que dizem que se entregou...
Alguns dizem que casou com uma puta
e foi morar no interior,
outros comentam que ficou biruta
ou se internou num templo purificador.
Mas ninguém sabe de certeza absoluta
o paradeiro daquele perdedor
de vida, aposta e luta
que as crianças chamavam de professor.



Niterói, Morro do Estado, 22 de Fevereiro de 2014