segunda-feira, 18 de julho de 2016

Trecho deslumbrado de "Tudo, de novo" (Leminski)


"Poucos 'marginais' são bons artesãos, dominando o instrumento, dialogando com o passado, levando adiante o que já estava joia. Ignorante. A 'poesia marginal' é, em boa medida, fenômeno etário. Juvenil. É poesia, para falar em termos medievais, feita por aprendizes. Mas aprendizes que querem elevar sua imperícia às culminâncias do ofício. Talvez isso seja apenas outro nome pra revolução, quem sabe. De qualquer forma, das Cruzadas, a das Crianças sempre foi a que me impressionou mais.
(...)
O fato é que o poema curto se impôs. O investimento de material verbal, na feitura do poema, foi, consideravelmente, diminuído. Donde teria vindo essa tendência à economia? Da publicidade? Das técnicas da poesia concreta, que devem tanto à publicidade? Ou é inexplicável mutação, inexplicável como todas as mutações que colocam em xeque nossas velhas lógicas apenas porque estão chamando novas lógicas à vida.

Todo poema que ultrapasse, hoje, o espaço monolítico de uma página tende, inevitavelmente, a parecer ligeiramente 'demodé'. (Mais uma razão, é claro, para fazer poemas longos. Afinal, hoje, eles são menos prováveis. E, portanto, bem menos possíveis.) Aos olhos de uma acústica atual, um poema longo não passará de uma longa sucessão de (bons ou maus) poemas curtos: a estrofe foi promovida à categoria de poema.

Alguns, mais exagerados, à extrema esquerda da poesia, chegaram mesmo a proclamar um só verso como Sua Excelência o Poema.

Corre que em alguns hospícios certos pacientes acreditaram poder ver o poema dentro de uma só palavra: a recuperação desses monomaníacos, ainda, está nas mãos da ciência. Poema, estrofe, verso, palavra, versos, estrofe, poema: no meio, a palavra, não alienação da realidade, obra-prima do homem, lugar onde a História adquire senso."

(Paulo Leminski, In: Ensaios e Anseios crípticos[2011], 69-70)

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