terça-feira, 29 de abril de 2014

Anacronia enfumaçada



Apago um marlboro vermelho
e me assusto ao perceber
que o fumei em menos de cinco minutos
e o susto me faz reviver
segundo por segundos
aquele primeiro hollywood azul
de ,já quase, oito anos atrás...
aquele primeiro cigarro,
aquele primeiro orgasmo industrializado,
aquela primeira crise de pigarro,
aquele primeiro momento de reflexão
seguido pelo primeiro desespero
de que a Mãe sentisse o cheiro de solidão
impregnado nas roupas do cesto.

Em minha adolescência acreditei
ser a única e solitária
ovelha negra de uma geração sem lei
ou lutas.
Uma geração que já nascera falida e reacionária
onde os jovens se preocupam demais com a saúde
e de menos com a sanidade.

Acreditava ter nascido atrasado
ou cedo demais...
Não me sentia como parte daquilo
e comecei a fumar
para parecer mais velho
como seria num futuro que não carecia tanto pra chegar
e tudo indicava aterrorizante
mas não tanto quanto realmente é
e foi, na realidade, frustrante...

ou para parecer mais velho,
como seria se tivesse nascido
no passado tão sonhado,
idealizado e perdido...

mas, principalmente,
para parecer mais velho,
ou mais revolucionário
(ou, ao menos, mais revoltado)
ou mais maduro
do que realmente era
do qual sempre fui
e ainda sou fruto.

Até os quatorze anos
vivi como minha classe
e minha geração convinham aos nossos
mas conforme o tempo passasse,
os cigarros,
o sexo
e os livros
foram me ensinando a perceber
que tudo envolta de mim
era podre e ridículo de ver
e ser.
Foi ai que surgiu em minha vista,
assim, sem ser iniciada ou prevista,
a sensação deliciosamente nostálgica,
embora profundamente solitária e idealista
de ser a vida uma enorme anacronia.

Preferia livros velhos e empoeirados
de literatura ou teoria,
aos tablets modernos e automatizados,
comecei a preferir, também, os cigarros de paia
aos industrializados e envenenados...
ou, fugir de casa de madrugada
para pixar muros abandonados
me parecia mais artístico e de vanguarda
do que acordar cedo no sábado
para as aulas de pintura da Tia Eduarda...
e sonhava com um futuro utópico,
perfeito,
colorido e florido
com sangue e poesia
e a vitória de um povo unido
ao menos na fantasia.

Mas o tempo continuou a passar
e os cigarros de paia,
os amores
e a vida real
me ensinaram que todos somos
frutos de nosso tempo,
ainda que eu tenha escolhido ser,
só mais um fruto podre
adubando o solo
com guimbas de cigarros
fumados em cinco minutos...

só mais um senil,
de vinte e um,
moribundo, não por opção,
mas por consequência
adubando a vida
com poemas grandes demais
e poéticos de menos
inspirados na fumaça
anacrônica da morte
precocemente trágica
que se aproxima mais
a cada tragada.




Niterói, Morro do Estado,
fins de Abril de 2014