sábado, 16 de dezembro de 2017

Dias de Inverno


“À força de sentirmos piedade dos heróis de romance, acabamos sentindo excessiva piedade de nossas próprias desgraças; não assim o sofrido Recabarren, que aceitou a paralisia como antes aceitara o rigor e as solidões da América. Habituado a viver no presente, como os animais, agora olhava para o céu e pensava que o círculo vermelho ao redor da lua era sinal de chuva.”(J. L. Borges*)


Os dias vão passando...
sem rima nem compasso,
apenas passam.
Dias de sol, dias de chuva,
dias nublados,
apenas dias misturados,
um após outro,
outro e mais outro antes de um,
ligeiros e despercebidos
todos desperdiçados...
Acorda ou vai dormir,
sem saber ao certo,
onde começa e onde termina
o sonho
e os reais abortados.  

Sem expectativa de futuro,
a cada anoitecer
o presente repousa no passado,
enquanto dias passam 
pelo tempo, em cacos rachado.
Mas tudo passa bem, obrigado,
no espaço ao redor
do cansaço.

Nada se perde,
nada se cria,
nada se transforma.
Tudo escorre e passa...

Apenas nada,
(in)tranquilo e fatigado,
neste mar gelado,
ondulado por sorrisos vazios
olhares perdidos
palavras repetidas
sonhos esquecidos
tragos de nostalgia
e versos desafinados
entre o clichê e a ironia ...
Mar onde se afogam
noites e dias
que passam, sem afagos,
como barcos ou nuvens,
que apenas vagam
derivados
de um horizonte despedaçado. 

Assisti entediado
os dias passarem,
esperando sonhar
algum dia ou noite
com a possibilidade de realizar
a chegada de (alguma) primavera,
para passarinhar
novos passos
e novos dias passarem
desperdiçando calor,
mas cheirando a flor.

Junho e Novembro de 2017



*) Trecho de O fim, conto do livro Artifícios [1944] (In.:  BORGES. Ficções. SP: Cia. Das Letras 2016: 153) 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Profecia Kósmica


Nesta caostrópole que vivo,
ex-capital da eterna colônia
sob os sete sois do meio-dia
e a sombra da cruz na montanha,
o céu já despencou
mas ninguém percebeu...
Mesmo ao contemplarem,
todas as noites,
com olhos cegos
as estrelas amontoadas
em pobres morros e podres edifícios
sob um vazio esfumaçado,
daquilo que fora céu,
mas é apenas um infinito teto
preto e poluído.

Eu também não percebia,
até que certa vez
anoiteci longe da cidade
sob a ausência da lua nova...
Pude, então, contemplar
- percebendo o belo
e compreendendo o óbvio -
a verdade estrelada
em seu devido lugar:
de observador das cabeças
infinito e soberano
sobre noites silenciosas
e mentes perdidas.

Em meio à megalópole celestial
- habitada por belezas reluzentes,
dunas estreladas e anjos cadentes –
encontrei um pequeno
pedaço sideral
vazio e escuro,
perdido no horizonte.

Muito distinto daquela
outra escuridão!
esmagadora e urbana,
a qual cresci encarando:
onipresente cadáver
reprimindo de cima
meus versos noturnos...
Não! Esta mancha de Nada
não era muda, nem morta...
Por alguns minutos quis crer
nesta comparação equivocada,
enquanto fixava meus olhos
em sua direção.
Até que               – para meu espanto –
aquela pequena mancha
rompeu o silêncio universal
e alcançou meus ouvidos.

Perdoem-me qualquer heresia,
mas narro: Empiria
– talvez onírica, mas verídica.
E erética (sem “h”),
pois ouvi: voz de criança.
alegre mas assustada,
em pleno crescimento,
esfomeada
pelo infinito.

Explicou-me que os seus
eram chamados pelos ‘meus’
de ‘buracos negros’...
mas o que pensamos saber
sobre eles, é menos nada
que os significados de nós
percebidos por ela
– a tagarela criança cósmica:

Nós somos o nada
e nada eles tem de buracos,
ou de vazios.
Sem saber
Estamos apenas a espera
do crescimento de minha nova amiga,
para que, então, ela nos engula
– e, junto com seus irmãos,
a todo universo...
E então, tudo será ‘buraco negro’!

Me disse a criança,
pra que eu contasse pro’cês
o futuro com que Ela sonhava:
Onde não haverá mais colônias nem metrópoles...
nem ruas ou repartições..
nem plantas nem animais,
nem nuvens ou estrelas,
nem pastos ou livros
nem céu nem terra
nem chão, nem nada...

Apenas a voz,
viva sobre todo o Nada
daquela eterna  criança,
enfim com a fome saciada
de tudo engolir...
E ainda prometera:
que nós
– animais da Dúvida oculta
sob pele de Razão –
também estaremos,
enfim, satisfeitos:
pois só assim,
após engolidos pelo Nada,
finalmente poderemos
contemplar e ser
o que buscamos por séculos
inventando inutilmente
estandartes transcendentais:
um real Todo
no Kaos.
 



Niterói, Janeiro de 2017

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Medíocres segredos de guardanapos sujos


Beber ou não beber?
Eis a questão...
Beber da podre água subserviente
ou secar na sobriedade servil?



O cliente tem sempre a preferência

mesmo quando não tem razão.

Repita este mantra e terás paciência.


                       Eis o segredo do garçom:
- Precisa-se manter residência
atualizando-se na semi-escravidão
mesmo que como breve experiência
breve antídoto de solidão
no qual embebeda-se de contra-mãos
com dez por cento da penitência
e sempre o resto do patrão!


Inchado de ócio e álcool,
gargalha da inocente insistência
do funcionário que julga-se ladrão
por agir em sútil (e inútil) resistência
atrás da madeira de seu caixão.



Niterói, Novembro de 2016