terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Manhã de Natal: Vícios e Tradições

O sol começa a nascer por detrás das montanhas de sua antiga janela. Coloca a cabeça pra fora e percebe que ao invés de neve e gelo, no chão e nas árvores só se encontrava calor e cocô de cachorro. Nesta manhã de natal, ao invés da liberdade, igualdade, fraternidade e presentes de Papai Noel, encontra-se na rua apenas lixo, pobreza, preconceitos, individualismo e padarias fechadas... e ele só queria fumar aquele cigarro tomando um café... e as padarias continuam fechadas...
Porém ele continua a andar pelas ruas de sua adolescência sem pressa ou destino... forjando, em sua memória, novas tradições que o façam sentir falta de quem não sente, embora devesse... lembrando, e sorrindo, de outras lembranças um pouco mais reais, ainda que destorcidas pelas metamorfoses dos anos... observando todas aquelas portas de metal fechadas...
Portas de metal fechadas protegendo a comida de pessoas com fome... pessoas com fome deitadas nas calçadas, amontoado-se embaixo das poucas marquises que restaram... pessoas com fome que não estão vestidas nem de verde nem de vermelho, apenas de cinza e jornal...
Mas para o sorriso imediato daquele jovem poeta, com roupas também cinzas, porém novas, de óculos escuros, cabelo bagunçado, sem sono ou fome, intelectualizado, comunista, arrogante, meio esquizofrênico, ateu, estudante de Sartre e Brecht... e viciado em café..., a Padaria Pechinchas está aberta...
Aberta e repleta de trabalhadoras, negras e nordestinas, óbvio, mal-humoradas, só por estarem trabalhando no feriado cristão de adoração ao consumismo - e seus santos -, às 7:30 da manhã, e ainda serem obrigadas a desejar “Feliz Natal” para todos aqueles velhos cachaceiros e aquele moleque descabelado e esquisito, nascido dos confins infernais e contraditórios da Academia, que, enquanto faziam seu café, observava o tempo inteiro, fazendo anotações num guardanapo, a frase escrita nas costas de sua camisa (soltando risinhos e palavras chaves): “Jesus te ama”.



Rio de Janeiro, Jacarépagua, 25 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Feliz Natal... se Deus quiser.

Mata-se por Deus.
Morre-se por Deus.
Morre-se porque Deus
tinha um plano melhor pra sua vida
do que deixá-lo vivo.
Um plano melhor do que deixá-lo viver sua vida.

Negros eram escravizados
por serem filhos do Demônio.
Canhotos eram enforcados,
feiticeiras queimadas
e fieis de outros deuses perseguidos,
tudo em nome do único,
onipotente,
onipresente
e onisciente
Deus.

Aquele que te observa a cada segundo.
Que controla todos os seres humanos feitos marionetes.
Escolhendo quem deve sofrer,
quem deve viver,
quem deve morrer,
quem deve viver bem,
quem deve viver bem até demais
e quem deve apenas sobreviver.

Se duas pessoas do mesmo sexo se amam
elas estão erradas... ou não erradas,
mas fazem algo que não é natural...
Porque?
Porque Deus criou o homem e,
depois, a mulher para construírem uma família
neurótica, possessiva, monogâmica, individualista, machista e heterosexual.
E essa é a vontade de Deus,
o Grande Ditador do Universo,
então deve-se respeitá-la.

Se você se sente insatisfeito com seu salário,
ou suas condições de trabalho,
você também está errado.
Você é pobre porque Deus está te provando,
e te guardando uma vida muito melhor...
pra depois da sua morte.

Portanto, nada melhor para comemorar
o nascimento do filho de Deus
do que encher os bolsos dos grandes empresários,
os escolhidos por Deus
para viverem como antigos deuses gregos.

Feliz Natal!
Isso, é claro, se Deus quiser...

Mas não se esqueça, nunca,
de amar o próximo como a ti mesmo
e, é claro, a Deus acima de todas as coisas.


Rio de Janeiro, Jacarépagua, 24 de Dezembro de 2012

Amor de Mar

Ao pisar na areia,
já senti a velha bossa(nova)
dos poetas do beco
se envolver em minhas veias
e gingarem meu corpo
entre os montinhos, buracos
e lixos da areia...

Olhei pro mar e vi o sorriso de Iemanjá seduzir meu olhar...
Entrei calmo e dengoso...
Chegando do nada,
sorrateiro,
me instaurando feito posseiro
nas ondas e abraços dos cabelos de Mãinha...

Princesa Iná me percebeu,
me recebeu, me envolveu,
me abraçou, me seduziu
e me amou...
Amou-me entre ondas e correntes...
Amou-me com todos seus nomes e personalidades...
de Iemanjá à Poseidon...
me amou de todas as formas que um mar pode amar...
Me fez sentir o calor e a força
das ondas que quebram e morrem...
e a calmaria e o relaxamento de seus nascimentos...
Me deu o prazer fresco da água salgada de seu beijo
e a paz silenciosa de seus ventos e sussurros...
Me amou...

Me amou e foi embora...
Foi embora com o sol...

Se aquietou em seu canto e dormiu...
Me amou e, depois,
me expulsou de sua cama,
com leves chutes de ondas curtas...

Me amou e dormiu...

Me deixando,
sozinho,
aqui,
na areia,
observando um saco
plástico
preto
girar e rodopiar
entre as ondas do ronco de seu sono...


Rio, Praia de Ipanema, 23 de Dezembro de 2012

domingo, 23 de dezembro de 2012

Versos de Pierre

Primeiro comecei a ficar paranóico...
Já não confiar em ninguém...
Amigos, família, mulheres, colegas, companheiros...
Todos eram suspeitos,
todos planejavam algo
mas eu não sabia o que...
De repente percebi...
Entendi...
Conheci, então, o sistema e seus chips...
Suas memórias... Seus espiões... Suas câmeras...
Seus gatos... Seus tumores...
Suas estátuas.

O estudei e o combati,
mas então,
ao perceber que não me controlava mais,
ele começou a me caçar.
Foi então que começou a doença...
As sombras, o negro, as roupas,
Agathe, a morte de Éve, Franchout,
Darbédat, o rahat-lucum, a Recapitulação,
o Tartamudear, o ano de degradação...
O quarto, a cama...

E, então, Éve volta,
com a morte de Agathe,
e me livra do sofrimento...





Niterói, Gragoatá, 20 de Dezembro de 2012-12-22
Em memória de Jean-Paul Sartre e “o quarto”.

O mito de menina

Numa manhã cinzenta
você surgiu como uma loucura repentina...
Por entre tranças de acordes musicais
atravessou as sofridas planícies goianas
me confundindo entre seus mitos e sotaques...

Era um mito... o mito de uma menina loira,
sentada sobre o gramado ainda molhado de sereno,
tocando no violão belas melodias
destoantes com as roucas desafinações de meu cantar.

A Pequena menina dos eternos e sofridos campos goianos
quase me fez crer no conto de fadas do ser.
Mas me desiludi do mito,
e me encantei ainda mais pela realidade,
quando vi uma linda e jovem mulher nadar,
nua, no oceano tão distante de teu olhar...



BR 040, Valparaíso de Goiás, 4 de Dezembro de 2012

Gritos e Montanhas

Olha a janela...
É, essa janela ai do seu lado... essa mesmo...
Está vendo?
Veja o sol se arrumar para dormir,
sentando,
e, depois, deitando-se...
em sua cama montanhosa.

Coloque a cabeça pra fora
e sinta o vento te beijar
e te amar
no escuro...
Grite! Grite seus desejos mais silenciosos e rebeldes...
Grite... grite pras montanhas...
Grite e elas ouvirão...
ouvirão e guardarão...

Grite e guarde...
Guarde o grito da juventude,
nas montanhas do Maranhão,
de Minas, do Rio, do Chile ou de Petrópolis...

Guarde-o nas montanhas de seu coração
e ele virá te buscar no fim da noite,
e virá te dizer que saiu das montanhas
e deixou de ser um sonho...

Guarde o grito da utopia
em sua montanha noturna
e ele virará realidade no nascer do sol.


BR 226, próximo à Barra do Corda-MA, 8 de Dezembro de 2012

Versos da Estrada II

A sabedoria das velhas montanhas de Minas Gerais
inunda as veias de meu cérebro,
trazendo a tristeza e a alegria apática da reflexão...

A ventania entra no ônibus,
ou pela janela,
ou pelas cordas
–sejam as do violão desafinado
ou as roucas vocais-...
Os cheiros do mato e das plantações de milho
que refletem no horizonte
afloram meus sentidos e me prendem em linhas...

Prendem minha atenção em linhas amarelas...
Duas contínuas e infinitas linhas amarelas...
Minha atenção é presa... e um segundo depois se dissipa...

Aqui é o lar dos sem-lar..
A estrada é a mãe de todos os órfãos
de minha geração sem ídolos ou sonhos...

Atravessando o país atrás do nada,
encontrei tudo...
E o Tudo é viajar.


BR 040, próximo à Juiz de Fora-MG, 3 de Dezembro de 2012

Sorriso da Noite

Acordo ouvindo uma gargalhada...
Gargalhada tranqüila e fraternal...
Seu sorriso puro e franco vem me abraçar,
e me dar um beijo de bom dia...
E fica ai dançando e flutuando no ar...

Sorriso sincero e musical
que reflete na noite escura...
Iluminando a estrada,
rodeada de estrelas...
Acalmando corações apaixonados,
enchendo as memórias do caminhoneiro de nostalgia,
secando as lágrimas do menino do sertão
e me acordando com uma gargalhada
pra te contemplar...




BR 226, algum lugar da noite do Maranhão, 8 de Dezembro de 2012

Tocantins

Oh quieta e pobre Tocantins,
filha caçula e esquecida da Mãe Gentil...
Forjaram-lhe a liberdade,
mas esqueceram-se da igualdade e fraternidade...

Oh triste e pobre Tocantins,
Adoece, junto com mãezinha,
num barraco velho que treme,
entre o cerrado e a estrada...


BR153, próximo à Gurupi-TO, 4 de Dezembro de 2012

Sonho silencioso de uma sexta a noite



O sol começa a nascer atrás das montanhas
protegidas pelo Redentor...

Enquanto a luz do sábado começa a ganhar as ruas,
eles estão, de novo, sentados ali naquela sala.
Dois amigos, dois amantes, dois companheiros...
Homem e mulher, mulher e homem...
Sem hierarquia, sem opressão,
sem compromissos, sem tristeza...
E um completa o outro,
criando um novo sentido de vida...

O Martini eleva os pensamentos,
a fumaça faz os olhos arderem,
a tosse rasga o peito,
os olhos conversam e discutem,
sem quebrar o silencio melodioso do fim de noite.

Cinema, Poesia, Sexo, Filosofia, Política...
Todos os assuntos já foram esgotados,
agora só sobrou o silencio...
e a intimidade...
Nada é preciso dizer pois os olhos conversam...




Niterói, Ingá, 1 de Dezembro de 2012

Ventos da Despedida


Enquanto você dorme,
o ônibus atravessa o belo cerrado goiano
que passa rápido pela janela,
atravessando seus sonhos
e iluminando o sorriso sonolento...

Dorme feliz... Leve e tranqüila...
Dorme com preguiça na lembrança de meu ombro,
que eu já vou seguindo estrada
pelos muitos sertões desse país...

E o vento que balança suas tranças
aperta, também, meu peito...
Pois vem chegando a hora de acordar
e seguir estrada... sozinho... sempre sozinho...
Por um momento penso em voltar,
mas um novo vento bate novamente pela janela
e me lembra do velho pássaro Mirôventrini
que não tem ninho nem habitat...
Apenas as asas e o vento do cerrado.



BR 040, próximo à Porangatu-GO, 10 de Dezembro de 2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

A natureza e a pobreza na estrada

O sol começa a sair, tímido, por entre as nuvens
e aquece a mata cansada e molhada...
Esse resquício de Mata Atlântica,
Cansada de tantos anos de escravidão e exploração
para sustentar esses frágeis e egocêntricos animais bípedes...
Molhada de chuva, suor e lágrimas...

O sol rompe, revoltoso, as nuvens tristes
e bate nos olhos cansados do viajante...
O astro-rei o acorda para ver aquela beleza esquecida
e aquecer seu peito confuso e apertado...
Ilumina sua mente perdida
entre as curvas da estrada
e a beleza rústica da natureza que luta por sobrevivência...
e da tristeza daquele povo que a explora por subsistência...
e é, também, explorado para lucrar o latifundiário...

E ele segue viagem após surpresas tão boas e lembranças tão tristes...
E ele segue viagem, com a surpresa do sol e a lembrança da chuva...
A surpresa da natureza e a lembrança dos homens...




Em algum lugar do Norte Fluminense, Av. Dutra, 18 de Julho de 2012...