quarta-feira, 18 de junho de 2014

Quem diria?




Quem diria, que mesmo após
tantos anos sem receber
correspondências ou ebós,
ou simples lembrança de outro ser
qualquer que fosse...
tantos anos que já nem lembrava como ler
nenhuma carta ou selo da corte,
sem ao menos perceber
nenhum bom dia
ou boa noite,
sem nem olhar a caixa vazia,
sem nem bilhete ou conta atrasada...
Mas quem diria
que, depois de tantos anos sob a sorte
do esquecimento, me surgiria,
justo nesse dia
azul e sem vento,
uma carta em forma de poesia?

Surpresa ainda mais formidável
seria se lhes contassem que justo eu,
esse velho ranzinza e deplorável
que vos fala, recebeu
versos de uma menininha amável,
mas perdida no mesmo breu
agonizantemente instável,
insano e decadente
que eu acreditava só meu.

Versos de uma linda mulher
em surpreendente nascimento e aparição,
uma pequena bailarina, que só quer
completar sua formação
e metamorfose, sem ter que ser
mais do que quiser...
constantemente se conhecendo
contemplando o novo
e aprendendo a andar
sozinha pelas rimas
descompassadas e inéditas
do verbo viver.

Uma triste criança
de cachos loiros e sorridentes
que começam a romper com a trança
e a criar seu despenteado de adolescente...
Em mãos uma caneta cheia de esperança
que, embora tímida e inocente,
toma coragem para abandonar a infância
e descobrir o mundo a sua frente.
Mas o mundo lhe impõe sua preferencia
pelo podre e demente,
e a menina sem experiência
se vê perdida e só entre tanta gente
fútil e egocêntrica
e me escreve, de repente,
versos de socorro, e pede urgência.

Mas como poderia ajuda-la, minha pequena?
A solidão lucida que você quer ver
em minhas rugas de velho sem pena
ou consolo, são apenas a luz verde
de uma velhice solitária e serena
mas essa é a luz da sede,
e não da sabedoria, como condena...
A sede dos que não souberam aprender
a viver, e preferiram fugir
para um deserto sem versos
ou esperança de se sair,
a sede dos que fugiram dos perversos
só para perceber que não se tem aonde ir.

Não posso responder a carta da menina
pois ao lê-la, só conseguia chorar e sorrir
e a única resposta que me ilumina
seria agradece-la por vir.
pois quem diria
que ela viria
para me ensinar,
ou me fazer lembrar,
sei lá,
o que é poesia
e o que é amar.




Niterói, Morro do Estado, 18 de Junho de 2014