terça-feira, 25 de setembro de 2012

Oração à Santa Maria por liberdade.

Proibiram sua alegria,
Subordinaram sua paz a homens armados
e encheram seu amor de preconceitos
e rótulos.

Você que era tão pura e casta
foi acusada de ser Monstro,
embora seja comprovadamente Medico.

Há séculos sai da terra... sai do barro,
assim como nós, para nos proporcionar a paz.
A inspiração. A felicidade. O amor.

A planta sagrada dos índios e escravos,
a raiz artística de tantas vanguardas,
a diversão de diversas gerações de oprimidos.
A expressão mais pacifica e amorosa
da tranqüila beleza desse mundo...
A Mãe Natureza reduzida a um produto,
mercantilizado por soldados
do terror e da burguesia hipócrita.

Tu que nasceste livre semente,
cresceu beleza natural
e morreu fumaça inspiradora.
Hoje essa fumaça só grita uma coisa,
uma única palavra, um único pedido:
Liberdade!


“When I find myself in times of trouble
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom:
Let it be…”






Rio de Janeiro, Jacarepaguá, 24 de Setembro de 2012



postado também em: http://culturaverde.org/2012/09/25/poesia-oracao-a-santa-maria-por-liberdade/

domingo, 9 de setembro de 2012

A Casa Amarela.

Entre os prédios altos, modernos e cinzas,
daqueles que arranham céus e rasgam bolsos,
jazia ela... quieta... pura...
Sua pintura amarela havia sido amarelada de tempo e descaso,
Pequenina, gasta, porém linda!

Sua arquitetura colonial, as manchas e os buracos denunciavam sua idade...
Porém entre toda aquela sujeira arrogante e ganância
próprias da arquitetura pós-moderna,
ela parecia uma criança... pura e casta,
inocente e sozinha,
entre as dores e os fedores do mundo.

E por falar em criança...

Justamente no momento que pensava
e escrevia a metáfora pobre e clichê acima
apareceu, para minha surpresa e pasmo,
uma criança de verdade à janela.
Uma menina. Com cachinhos loiros e sorriso largo.

Olhou diretamente pra mim com aquele sorriso lindo e puro,
tentei retribuir, mas a surpresa era tanta
que não consegui... e o dela se apagou.
Então, em um gesto rápido demais para meus olhos emocionados,
sacou um vidro de detergente e coloriu a vizinhança
com milhares de bolhas de sabão.

O sorriso em meu rosto foi instantâneo,
Mas não tão grande e puro quanto o da casa amarela.

Niterói, Estação Hidroviária Araribóia, 6 de Setembro de 2012

sábado, 8 de setembro de 2012

Pedro e Betôvem.

Eram, os dois, artistas... Eram, os dois, artistas de rua. Atores, poetas, malabaristas, músicos, palhaços, artesãos e o que mais desse na telha. Artistas por natureza... e de rua! E não me entenda mal, caro leitor, a redundância é proposital. É preciso que, às vezes, se repita um conceito varias vezes para ficar claro e instintivo ao leitor... E que fique claro e instintivo: não eram artistas quaisquer, eram artistas de rua.

Conheceram-se, e não poderia ser diferente, também na rua. Foi um dia desses, em alguma esquina qualquer, em algum sinal perdido entre as ruas esquecidas e movimentadas do centro da cidade. Trabalhando... Colorindo de arte o cinza e o sujo da metrópole dita maravilhosa.

A amizade foi espontânea e instantânea... E, então, espontaneamente e instantaneamente decidiram começar a trabalhar juntos. Suas artes, contudo, eram diferentes... Nem melhor, nem pior... Apenas... diferentes. Enquanto a arte de Pedro tentava atingir o coração e o sorriso das pessoas, a arte de Betôvem procurava como alvo o cérebro e os braços de seu público itinerante.

Eram artistas diferentes, com propósitos diferentes e histórias diferentes. Por isso suas artes eram diferentes. Sejamos justos e admitamos que houvesse semelhanças e pontos comuns (até por causa do tanto de tempo que trabalharam juntos, é obvio que se influenciaram)... Porém, a principal característica coincidente entre eles é anterior a sua amizade: os dois faziam aquilo por prazer, satisfação, talento, ideologia e necessidade.

E é nesta pedra angular comum que mora a fonte do rio de diferenças. Pedro trabalha pra pagar o aluguel e chamar o camarada de sinal pra tomar uma gelada no final do dia, mas Betôvem nunca podia, pois tinha que ir pra casa ficar com Maria e as crianças. Sua arte tinha seis bocas pra alimentar.

Mas, por favor, não julgue nossos heróis, caro leitor. Nenhum dos dois é melhor ou pior que o outro. São apenas diferentes. Vale lembrar que os dois eram pobres... os dois eram artistas(de rua)... os dois eram artistas pobres. A diferença está, apenas, no fato de que uma pobreza era conseqüência da liberdade, já a outra era de nascença... era conseqüência da existência.

Continuas a querer julgá-los? Se insiste tanto em julgar alguém, meu amigo ou amiga, julgue este que te conta essa história. Nele (ou será em mim, já não sei mais...) falta talento e necessidade... Mas, ainda assim, se pretende um artista, não de rua por covardia, mas não lhe faltam, nem a ele nem a sua suposta arte, a ideologia, a satisfação e, principalmente, o prazer! Julgue então este que conta a história da arte alheia pra tentar transformar em arte sua.

Quanto a Betôvem e a Pedro, caso os encontre por ai em alguma esquina qualquer, em algum sinal perdido entre as ruas esquecidas e movimentadas do centro da cidade, em algum dia desses, pare para ouvir o que sustenta seis bocas e pare, também, para sentir o gosto da liberdade de uma cervejinha no final do dia... não julgue, apenas ouça, sinta e entenda.

E quem sabe, um dia poderei, também, pedir pra não ser julgado... No dia que a coragem me bater a porta e me levar para ser, eu também, um artista de rua. E poderei, então, ao lado de Pedro e Betôvem, colorir de arte o cinza e o sujo das ruas da metrópole dita maravilhosa, e não mais só a tela de meu computador, os ouvidos de meus amigos e de você, meu leitor. Que esse dia chegue, até lá!


Agradeço a Renato Garcia, autor da esquete que inspirou esse texto.

Y.O.
Rio de Janeiro, 6 de Setembro de 2012, Ponte Rio-Niterói