sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Caçadores Invisíveis

O rapaz apaixonado
vive uma guerra interna,
onde combate, de um lado,
sua lembrança infantil de escrever poemas.
Do outro, há o braço ensanguentado
de um monstruoso carrasco sem pena,
e seu fiel e irônico aliado:
um palhaço bobo e sem graça
que é o único a rir de suas piadas.

Suas estratégias atrapalham e iludem o poeta.
O carrasco o atrapalha com seus gritos
ecoando dentro da mente incerta,
reprovando sonhos e silenciando conflitos.
Já o palhaço ataca de forma mais indireta,
ao alimentar as utopias idealistas do espirito...
A ilusão do primeiro é a fé analfabeta
numa poética sem suor ou rito.
Enquanto a do outro é a busca desperta
atrás dos sonhos do menino aflito,
que quis crescer poeta
mas perdeu-se atrapalhado no mito
de uma inspiração seleta,
de um passado perdido
ou da posição de profeta.

Mas o que é um profeta sem discípulos?
Ou um poeta sem leitores?
São o mesmo que a inspiração sem compromisso
ou a mecanização dos amores.
É como um sacerdote sem destino
ou um ateu cheio de pudores.
O carrasco insiste em gritar com o menino
e o palhaço chora de tanto rir, entre as flores,
enraizadas a beira do abismo
de ilusões incolores
onde a alma cai em desatino
tentando descrever seus caçadores.

Palhaço e carrasco caçam na floresta psíquica,
narrando, aos gritos, antigas fábulas
sobre uma inspiração mística.
Fazendo-o se confundir com as rimas,
perdendo-as para as dúvidas da critica
e as dívidas do medo que o inclina
frente a pergunta fatídica:
qual a fonte energética do poema?
A tal inspiração teria uma origem metafísica
ou seria parte da natureza?
Fruto da vontade e da disciplina,
jogo entre lembranças e certeza,
ou simplesmente dádiva divina?

O carrasco nega-o as três alternativas,
decepando sonhos com sua lamina vil.
O palhaço, por sua vez, o faz acreditar
numa síntese indescritível
entre o menino que brincava de poeta
e o homem com a mania irreversível
de amar em prosa e sonhar com poesia.
Todavia, tudo parece impossível,
rimar, sorrir ou pensar,
quando se é caça do invisível
que habita aquele mesmo lugar
ao qual seria o único cabível
para alguma resistência brotar:
a alma insensível.

Este insensível campo de batalha
onde luta sozinho e desarmado
contra uma dupla armadilha
da consciência de rapaz apaixonado
que, entre versos calados, trilha
aos tropeços, um caminho abandonado.
Com o carrasco sempre a vigília
e o palhaço rindo ao seu lado,
daqueles medos e manias
herdadas do menino assustado
amadurecidas em fantasias
num poema desajustado.

Yan Venturin,
Morro do Estado, Niterói,
Agosto de 2015