quinta-feira, 1 de novembro de 2018

"Ainda há palavras belas"


Porque eu escrevo palavras num papel
que não serão as mesmas que você leu”

Meio-dia em ponto.
E já estou bêbado...
Mas eu nem bebi!?
Apenas aquele café com cigarro
de todas as manhãs,
mas abri o seu livro
zine
mata de palavras,
fogueira,
e queimei até o fim...
“Estar bem é sentir o tempo”                                                                   
e já é meio-dia
e ainda estou bêbado
de poesia
“como de dentro da barriga de mamãe”.

Nem sei quantos extremos gostei de sentir,
com quantos olhos as palavras li,
com quantos outros eus reencontrei
e perdi
a conta.

Mas desde as primeiras páginas,
já nasceu em mim
a ânsia de agradecer
de uma forma devida.
E eis aqui esta carta,
travestida de poema,
(provavelmente)
demasiado longa
e com versos tortos.
Perdoe-nos,
é a ferrugem
de quem há tempos
havia abandonado a poesia,
obcecado pela prosa.

“Nunca soube ser poeta
e agora
não comporto mais poesia”

Pode ser só a vaidade de mamãe Oxum,
mas me embebedei com sua nudez
e precisei me despir também
para agradecer.

Durante anos me dediquei e amei a poesia
– com uma disciplina que hoje não existe
e que invejo naquele menino sonhador –
lendo ou escrevendo
quase diariamente
(mas nunca gostei de meus poemas
ou da maioria deles).
Veio a política,
a filosofia,
o casamento,
a preguiça,
as obrigações,
o rio da vida
e me carregou
para muito longe daquele guri
e seus sonhos em versos.

Já considerava a (minha) poesia
uma brincadeira de criança
e a (“real”) poesia (dos outros)
uma lápide fria e triste,
ambas enterradas na memória.
Mas em seus versos
encontrei vida,
e também conceitos,
personagens,
alegria,
dor
e paixão.

Me revisitei
naquele moleque
de dezesseis anos
se embebedando escondido
de Federico e Virginia.
Mas a cerveja agora é artesanal
e não empoeirada e morta!
Produzida por mãos amigas
e sonhos irmãos.
Aqueles versos perfeitos,
etílicos e suaves,
(in)corporáveis  e sagradamente profanos,
belicosos e maternais,
eram de alguém de carne e osso.
Tive e tenho
muitos amigos poetas
que sempre li
pacientemente e entusiasmado
uns mais, outros menos,
mas nunca me deixaram nu
bêbado e vivo
como nesta manhã.

-Escrevo esta carta,
estes versos
com as mesmas mãos tremulas
de alegria e insegurança
com as quais tive a ousadia
juvenil
de (tentar) escrever uma “Oração à Bethânia”
anos atrás.
Escrevo como tiete
que vislumbra o ar
respirado pela diva.-

Escrevo para me apresentar e agradecer.
Nasci e cresci nesse “mar de gente”,
nasci e cresci sobre a lei:
o desconhecido é ameaça até que se prove
o contrário”.
Nasci e cresci indigente.
Mas esta manhã
recebi de presente
incontáveis visitas
de outros eus
esquecidos (pela mente
mas nunca pelo corpo).

Fantasmas dos poetas que não fui
e dos poemas que esqueci
me visitaram esta manhã
mas não vieram sozinhos...
Foram trazidos por uma desconhecida,
talvez a própria musa-Poesia,
que me deu a conhecer
(pelo menos)
duas Jullys:
a nua de papel
que me despiu e embebedou
com suas palavras
“num encontro mágico que não era amoroso”;
e a vestida, com roupa de santo,
que eu já conhecia
(mas não o suficiente,
talvez,
por minha contra-cabreirice de indigente)
e admirava
como minha irmã-cambone...
mas hoje me instiga,
me deixa curioso e inebriado,
a imaginar
quantas infinitas deusas
e passarinhos
vivem e devém
neste corpo-poesia?
(protegida por folhas nas orelhas
e vestida com “fios de rosa
daquelas que ainda tem espinhos”)
Mana, sua benção.   



Para Jully Wanny,
Irmã, te amo e te admiro cada dia mais.
Gratidão eterna pelos bons encontros, palavras e sorrisos. Que sua poesia floresça sempre mais, colorindo estes tempos sombrios e nos potencializando a suportá-los com alegria.
Yana
30 de outubtro de 2018