sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Raiva



D’onde vem?
D’ onde pode vir,
meu pai, uma raiva do tamanho dessa?
Raiva maior que nunca vi,
nem que nunca se há de ver
ou de lê em poema ou em peça
ou no cinema ou na novela...
raiva nunca vista,
nem em visita
de asilo, ou em fofoca de revista...
sem visto, carimbo, passaporte
ou cachimbo...
dessas que vem, de repente,
e nos consome
tão rápido que a gente nem sente,
feito fome
e vai subindo e nos consumindo...
cada vez mais
e mais...
pouco a pouco, aumentado
e acumulando, no estomago
e no peito de um home
de respeito, mas sem pão
ou ocupação.

- Sabe, desse tipo de sujeito,
que tem em toda geração,
mas cada uma de um jeito
e c’um nome divergente,
devido a moda e ocasião
e à conjuntura ou a corrente.
Pode escolhê,
professô riponga,
sambista boêmio,
estudante comuna,
artista vadio,
operário desempregado,
trabalhador organizado...
dá tudo no mesmo
tudo barbudo, mal arrumado
fidido e maconheiro,
enraivecido e esfomeado,
que quando tá de frente
parece que tá de lado
e quando tá de lado, some. -

Raiva doida e cega
dessas que vem, de repente,
na contramão da placa de saída,
tomando a gente pelas prega
e pelas veia
que incham sob a pele sem vida
e pula
e satura
e jorra, jorra...
jorra o sangue,
a mingua, mas a cada instante
feito cachoeira
espumando cada vez mais
e mais
de raiva e canseiras,
tédio e ódio
e mais, e mais, e mais... tudo
de volta pro coração.

E o coração se embriaga
dessa raiva toda
tonta, louca e desvairada
e ela vai crescendo,
avassaladora, no nosso peito
não escolhendo
direção, nascente ou leito:
pra cima, pra baixo, pras esquerdas
e pros direitos,
tomando a gente todo de um jeito
que o único jeito de se aquietar
e de tentar acalmar e diminuir,
e, ao menos alguns segundos,
acreditar que vai sumir
toda aquela vontade súbita
de matar, bater e cuspir,
é gritando!

E grito.

Grito, canto,
vomito,
danço, louvo,
choro
e rio.

Rio desse coração ingênuo e paspalho
embora metido à maroteiro
e cansado,
que se ouriça todo no puleiro
que nem galo brabo,
em dia de rinha ou de festa
e diz que vai matar a rodo,
diz que vai fazer
e vai acontecer,
mas na hora do vamo vê
revê a raiva se esfumaça
lenta e calmamente
no ar, e no peito
e se perder
em gritos, versos, acordes
sorrisos ou beijos
de deboche.


Morro do Estado, Niterói,
Madrugada de 9 para 10 de janeiro de 2014

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