domingo, 30 de março de 2014

Velhas Toupeiras





Velhas toupeiras
sempre viveram
entre as poeiras
das solas dos sapatos
dos que enriqueceram
de imediato...

Sempre que um rico cantarola,
canta sua vitória
sobre aqueles que perderam tudo
e hoje choram rios, baías,
oceanos e dilúvios...
mas continuam a trabalhar...
e continuam a lucrar,
não para si,
mas para Ele.
E continuam a chorar
e rezar
para as velhas toupeiras
engordarem sua fortuna ,
pagarem seus pecados
e não atrasarem o salário,
com a ajuda divina.

Toupeiras inglesas,
americanas, francesas
ou romanas...
burguesas ou feudais...
liberais ou puritanas,
arcaicas ou atuais,
latifundiárias ou urbanas,
econômicas, pedagógicas ou policiais,
religiosas ou humanas,
são sempre as mesmas
velhas toupeiras sem paz.

Toupeiras e sapos,
lacraias ou ratos,
traças de trapos
do enxoval mais caro
do poder mais real
do lar mais sagrado
da riqueza mais informal
do prazer mais sofisticado
e da mentira mais natural:
pisando no sangue humilhado
diz que isso é normal,
não é nada de privilegiado
são apenas as leis
do mercado internacional.





Em memória de Marx e Hamlet.

Rio de Janeiro e Niterói, Março de 2014

segunda-feira, 17 de março de 2014

Encontro Familiar











Há encontrei apenas uma vez,
em alguma noite perdida
nas nuvens confusas
de uma memoria esquecida.
entre noites esquisitas e difusas
de lembranças deprimidas
misturadas, nostálgicas
ou melancólicas
de uma juventude passada...
que se passara sorrateira
e despercebida...

Há encontrei apenas uma vez,
mas naquela noite já sabia
que aquele encontro,
aquela noite
eu jamais esqueceria.
Ela viera
como nunca imaginei que ninguém
ou alguém
viria, e pronto.
Não precisei procurar,
conhecer,
esbarrar,
ver,
me apresentar
ou fingir confundir.

Ela chegou,
parou, na minha frente,
me olhou, simplesmente,
me vasculhou
de cima a baixo
e de baixo a cima.
Depois foi seu olhar que parou,
e afundou...
Afundou para dentro de mim.
Me encarou
e, com a profundidade
silenciosa daquele olhar
multicolorido, quebrou
toda e qualquer possibilidade
de evitar
que ela ...
de não deixar
ela
me controlar
de baixo a cima
e de cima a baixo
ao menos por um segundo.

Pois no segundo
seguinte
ela hesitou.
Senti no brilho ardente
de seu olhar, que este oscilou.
Por um segundo
aquele símbolo também afundou
e pude, eu também,
conhece-la até o canto mais fundo
que não deve se confidenciar a ninguém.

Afundei, ou melhor, mergulhei
naquele olhar instigante
e conheci
todos os sentidos agoniantes
daquela desconhecida.
A conheci por inteira
sem ao menos sua voz ouvir.
E foi então que eu percebera...
Foi então que eu a reconheci,
escondida e despercebida
em todos os cantos
de todas as minhas lembranças.
de todos os meus prantos
e de minhas esperanças,
de meus sonhos
de minhas brincadeiras de infância
e de minhas loucuras de adulto...
em cada verso deprimido,
em cada momento de ira,
em cada devaneio esquecido
de minhas paixões e comprimidos.
canções ou juízos,
em todas as ideias e discursos
em cada ressaca de saudade,
em cada gargalhada
ou ato de caridade...
Ela me parecia familiar.

Mas quando percebeu
que eu quase a reconhecia
bebeu um gole da minha cerveja
e se virou para sair,
sumir,
fugir, antes que eu
pudesse me lembrar
ou descobrir
porque ela
me parecia tão familiar.
Quem era ela?
O que era aquele olhar?
Da onde ela viera?
Onde poderia a reencontrar?
E como ela deslizava tão suave
e eternamente no ar?
Gritei.
Xinguei e supliquei
perguntas e duvidas
enquanto ela ia
flutuando entre nuvens e avenidas
em direção ao esquecimento.

Mas quando eu disse,
já aos prantos,
o quanto aquilo seria injusto,
pois nem seu nome eu sabia...
ela me olhou com um sorriso novo
e infantil, no rosto
e disse:
Meu nome é Hipocrisia.
E sumiu.


Niteroi, Morro do Estado, Março de 2014