"Malícias maluqueiras, e perversidades, sempre tem alguma, mas escasseadas. Geração minha, verdadeira, ainda não eram assim. Ah, vai vir um tempo, em que não se usa mais matar gente... [...] 'Maluqueiras – é o que não dá certo. Mas só é maluqueira depois que se sabe que não acertou!'” (Riobaldo Tatarana) *** "Podem dizer que isto é loucura, mas é somente a mais pura maneira de se amar." (Jorge Mautner)
domingo, 7 de setembro de 2014
Vento da Manhã
Após a noite escura e fria
a manhã enfim despertou...
de mal humor e sem “bom-dia”,
o que, contudo, não muito durou,
pois entre nuvens de ventania
a luz da manhã clareou...
No céu raiou um solzinho sonso,
que nem chegava a ser quente,
mas aquecia um pouco o corpo
e iluminava deveras a mente.
Nos fazia os casacos tirar
e em um toco se sentar
para os olhos fechar, tranquilamente,
e ouvir o sopro
calmo e permanente
como o ronco do outro
ou o silvo da serpente...
ouvir as conversas e mistérios do vento
e as gargalhadas de minha gente.
As vezes uma risada mais alta
beijava o rosto de olhos fechados
interrompendo o som da flauta
com um só tapa empoeirado,
uma só bufada gelada,
lembrando ao corpo suado
do frio já distante da madrugada.
Mas esta rajada tumultuada passava rápido,
dando lugar aquela brisa delicada,
de sopro inocente e sossegado,
nem quente, nem frio... apenas calada
e alegre, balançando o gramado.
Agora humanos e grama
dançavam numa música surda e vã
da orquestra de brisas tão mansas
quanto a preguiça do sol da manhã
que trazia pr’aquele jardim de flores e lama
um beijo de bom-dia de Iansã.
São Pedro da Serra, Nova Friburgo, 6 de setembro de 2014
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Quem diria?
Quem diria, que mesmo após
tantos anos sem receber
correspondências ou ebós,
ou simples lembrança de outro ser
qualquer que fosse...
tantos anos que já nem lembrava como ler
nenhuma carta ou selo da corte,
sem ao menos perceber
nenhum bom dia
ou boa noite,
sem nem olhar a caixa vazia,
sem nem bilhete ou conta atrasada...
Mas quem diria
que, depois de tantos anos sob a sorte
do esquecimento, me surgiria,
justo nesse dia
azul e sem vento,
uma carta em forma de poesia?
Surpresa ainda mais formidável
seria se lhes contassem que justo eu,
esse velho ranzinza e deplorável
que vos fala, recebeu
versos de uma menininha amável,
mas perdida no mesmo breu
agonizantemente instável,
insano e decadente
que eu acreditava só meu.
Versos de uma linda mulher
em surpreendente nascimento e aparição,
uma pequena bailarina, que só quer
completar sua formação
e metamorfose, sem ter que ser
mais do que quiser...
constantemente se conhecendo
contemplando o novo
e aprendendo a andar
sozinha pelas rimas
descompassadas e inéditas
do verbo viver.
Uma triste criança
de cachos loiros e sorridentes
que começam a romper com a trança
e a criar seu despenteado de adolescente...
Em mãos uma caneta cheia de esperança
que, embora tímida e inocente,
toma coragem para abandonar a infância
e descobrir o mundo a sua frente.
Mas o mundo lhe impõe sua preferencia
pelo podre e demente,
e a menina sem experiência
se vê perdida e só entre tanta gente
fútil e egocêntrica
e me escreve, de repente,
versos de socorro, e pede urgência.
Mas como poderia ajuda-la, minha pequena?
A solidão lucida que você quer ver
em minhas rugas de velho sem pena
ou consolo, são apenas a luz verde
de uma velhice solitária e serena
mas essa é a luz da sede,
e não da sabedoria, como condena...
A sede dos que não souberam aprender
a viver, e preferiram fugir
para um deserto sem versos
ou esperança de se sair,
a sede dos que fugiram dos perversos
só para perceber que não se tem aonde ir.
Não posso responder a carta da menina
pois ao lê-la, só conseguia chorar e sorrir
e a única resposta que me ilumina
seria agradece-la por vir.
pois quem diria
que ela viria
para me ensinar,
ou me fazer lembrar,
sei lá,
o que é poesia
e o que é amar.
Niterói, Morro do Estado, 18 de Junho de 2014
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terça-feira, 29 de abril de 2014
Anacronia enfumaçada
Apago um marlboro vermelho
e me assusto ao perceber
que o fumei em menos de cinco minutos
e o susto me faz reviver
segundo por segundos
aquele primeiro hollywood azul
de ,já quase, oito anos atrás...
aquele primeiro cigarro,
aquele primeiro orgasmo industrializado,
aquela primeira crise de pigarro,
aquele primeiro momento de reflexão
seguido pelo primeiro desespero
de que a Mãe sentisse o cheiro de solidão
impregnado nas roupas do cesto.
Em minha adolescência acreditei
ser a única e solitária
ovelha negra de uma geração sem lei
ou lutas.
Uma geração que já nascera falida e reacionária
onde os jovens se preocupam demais com a saúde
e de menos com a sanidade.
Acreditava ter nascido atrasado
ou cedo demais...
Não me sentia como parte daquilo
e comecei a fumar
para parecer mais velho
como seria num futuro que não carecia tanto pra chegar
e tudo indicava aterrorizante
mas não tanto quanto realmente é
e foi, na realidade, frustrante...
ou para parecer mais velho,
como seria se tivesse nascido
no passado tão sonhado,
idealizado e perdido...
mas, principalmente,
para parecer mais velho,
ou mais revolucionário
(ou, ao menos, mais revoltado)
ou mais maduro
do que realmente era
do qual sempre fui
e ainda sou fruto.
Até os quatorze anos
vivi como minha classe
e minha geração convinham aos nossos
mas conforme o tempo passasse,
os cigarros,
o sexo
e os livros
foram me ensinando a perceber
que tudo envolta de mim
era podre e ridículo de ver
e ser.
Foi ai que surgiu em minha vista,
assim, sem ser iniciada ou prevista,
a sensação deliciosamente nostálgica,
embora profundamente solitária e idealista
de ser a vida uma enorme anacronia.
Preferia livros velhos e empoeirados
de literatura ou teoria,
aos tablets modernos e automatizados,
comecei a preferir, também, os cigarros de paia
aos industrializados e envenenados...
ou, fugir de casa de madrugada
para pixar muros abandonados
me parecia mais artístico e de vanguarda
do que acordar cedo no sábado
para as aulas de pintura da Tia Eduarda...
e sonhava com um futuro utópico,
perfeito,
colorido e florido
com sangue e poesia
e a vitória de um povo unido
ao menos na fantasia.
Mas o tempo continuou a passar
e os cigarros de paia,
os amores
e a vida real
me ensinaram que todos somos
frutos de nosso tempo,
ainda que eu tenha escolhido ser,
só mais um fruto podre
adubando o solo
com guimbas de cigarros
fumados em cinco minutos...
só mais um senil,
de vinte e um,
moribundo, não por opção,
mas por consequência
adubando a vida
com poemas grandes demais
e poéticos de menos
inspirados na fumaça
anacrônica da morte
precocemente trágica
que se aproxima mais
a cada tragada.
Niterói, Morro do Estado,
fins de Abril de 2014
domingo, 30 de março de 2014
Velhas Toupeiras
Velhas toupeiras
sempre viveram
entre as poeiras
das solas dos sapatos
dos que enriqueceram
de imediato...
Sempre que um rico cantarola,
canta sua vitória
sobre aqueles que perderam tudo
e hoje choram rios, baías,
oceanos e dilúvios...
mas continuam a trabalhar...
e continuam a lucrar,
não para si,
mas para Ele.
E continuam a chorar
e rezar
para as velhas toupeiras
engordarem sua fortuna ,
pagarem seus pecados
e não atrasarem o salário,
com a ajuda divina.
Toupeiras inglesas,
americanas, francesas
ou romanas...
burguesas ou feudais...
liberais ou puritanas,
arcaicas ou atuais,
latifundiárias ou urbanas,
econômicas, pedagógicas ou policiais,
religiosas ou humanas,
são sempre as mesmas
velhas toupeiras sem paz.
Toupeiras e sapos,
lacraias ou ratos,
traças de trapos
do enxoval mais caro
do poder mais real
do lar mais sagrado
da riqueza mais informal
do prazer mais sofisticado
e da mentira mais natural:
pisando no sangue humilhado
diz que isso é normal,
não é nada de privilegiado
são apenas as leis
do mercado internacional.
Em memória de Marx e Hamlet.
Rio de Janeiro e Niterói, Março de 2014
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segunda-feira, 17 de março de 2014
Encontro Familiar
Há encontrei apenas uma vez,
em alguma noite perdida
nas nuvens confusas
de uma memoria esquecida.
entre noites esquisitas e difusas
de lembranças deprimidas
misturadas, nostálgicas
ou melancólicas
de uma juventude passada...
que se passara sorrateira
e despercebida...
Há encontrei apenas uma vez,
mas naquela noite já sabia
que aquele encontro,
aquela noite
eu jamais esqueceria.
Ela viera
como nunca imaginei que ninguém
ou alguém
viria, e pronto.
Não precisei procurar,
conhecer,
esbarrar,
ver,
me apresentar
ou fingir confundir.
Ela chegou,
parou, na minha frente,
me olhou, simplesmente,
me vasculhou
de cima a baixo
e de baixo a cima.
Depois foi seu olhar que parou,
e afundou...
Afundou para dentro de mim.
Me encarou
e, com a profundidade
silenciosa daquele olhar
multicolorido, quebrou
toda e qualquer possibilidade
de evitar
que ela ...
de não deixar
ela
me controlar
de baixo a cima
e de cima a baixo
ao menos por um segundo.
Pois no segundo
seguinte
ela hesitou.
Senti no brilho ardente
de seu olhar, que este oscilou.
Por um segundo
aquele símbolo também afundou
e pude, eu também,
conhece-la até o canto mais fundo
que não deve se confidenciar a ninguém.
Afundei, ou melhor, mergulhei
naquele olhar instigante
e conheci
todos os sentidos agoniantes
daquela desconhecida.
A conheci por inteira
sem ao menos sua voz ouvir.
E foi então que eu percebera...
Foi então que eu a reconheci,
escondida e despercebida
em todos os cantos
de todas as minhas lembranças.
de todos os meus prantos
e de minhas esperanças,
de meus sonhos
de minhas brincadeiras de infância
e de minhas loucuras de adulto...
em cada verso deprimido,
em cada momento de ira,
em cada devaneio esquecido
de minhas paixões e comprimidos.
canções ou juízos,
em todas as ideias e discursos
em cada ressaca de saudade,
em cada gargalhada
ou ato de caridade...
Ela me parecia familiar.
Mas quando percebeu
que eu quase a reconhecia
bebeu um gole da minha cerveja
e se virou para sair,
sumir,
fugir, antes que eu
pudesse me lembrar
ou descobrir
porque ela
me parecia tão familiar.
Quem era ela?
O que era aquele olhar?
Da onde ela viera?
Onde poderia a reencontrar?
E como ela deslizava tão suave
e eternamente no ar?
Gritei.
Xinguei e supliquei
perguntas e duvidas
enquanto ela ia
flutuando entre nuvens e avenidas
em direção ao esquecimento.
Mas quando eu disse,
já aos prantos,
o quanto aquilo seria injusto,
pois nem seu nome eu sabia...
ela me olhou com um sorriso novo
e infantil, no rosto
e disse:
Meu nome é Hipocrisia.
E sumiu.
Niteroi, Morro do Estado, Março de 2014
sábado, 22 de fevereiro de 2014
Brincadeira
Lia muito.
Lia de tudo.
Sempre lera muito...
Sempre lera de tudo...
Desde pequeno, já lia coisas de adulto,
E já lia mais do que muito adulto,
maduro e estudado ,
culto ou formado
em licenciatura ou bacharelado
e, principalmente,
mais do que qualquer pós –graduado...
pois ler era mais uma brincadeira, simplesmente.
Outra brincadeira, ainda mais divertida,
talvez, era a de escrever.
Misturava palavras que lera
de forma rápida e batida
alguma vez
em algum livro que não conseguiu, de todo, entender,
com as de outro que já lhe havia ensinado algo sobre viver...
Besteira!
Um monte de besteiras,
algumas copiadas, outras já desenvolvidas,
mas tudo um monte de besteiras,
ao menos do ponto de vista de um adulto
brincadeiras de um menino esquisito
que lia demais.
Lia e escrevia demais,
um monte de besteiras...
Mas crescera
brincando de aprender
a andar, ler, escrever,
lutar, beber, foder,
amar e as lágrimas esconder,
aprendendo a brincar de viver
como um adulto boêmio de profissão
mas sem samba ou patrão
sem eira nem beira,
sem trabalho ou intuito,
vivendo de esmolas do mundo
e da xepa na feira, se muito,
pois lá o chamavam de vagabundo,
ou ladrão ou tarado
ou vadio ou viado ou moribundo
ou safado...
Não há mais nenhum livro na cabeceira,
prateleira, gaveta ou publicado
pois se esquecera
de aprender a se confessar
e, talvez, ser perdoado.
Sem perdão, salvação ou freira,
crescera sozinho
E percebera, num moinho
de confusões, ideias e lágrimas,
que as palavras
não eram brincadeira
nem besteira
de criança assustada
e abandonada.
Se assustou ao ver
que de tanto escrever e ler
perdera o controle
sobre suas palavras escritas
ou ditas
e o interesse pelas alheias.
Tudo que lia ou escrevia,
ou ouvia,
ou via ou vivia,
lhe parecia fraco e repetitivo
ou óbvio e inútil.
Escrevera e lera
tanto
que esquecera
da vida e do pranto
dos versos gelados da cerveja
de domingo,
da conversa fiada,
do vizinho inimigo,
da amada e da batucada...
e, de repente, não se sabe
ao certo quando,
como ou porque
sumira em alguma madrugada
pra nunca mais aparecer.
Nunca mais eu o vi, pelo menos,
alguns dizem que se matou
outros que fugiu pro exterior
outros que foi preso por algo que roubou
e há outros que dizem que se entregou...
Alguns dizem que casou com uma puta
e foi morar no interior,
outros comentam que ficou biruta
ou se internou num templo purificador.
Mas ninguém sabe de certeza absoluta
o paradeiro daquele perdedor
de vida, aposta e luta
que as crianças chamavam de professor.
Niterói, Morro do Estado, 22 de Fevereiro de 2014
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
Raiva
D’onde vem?
D’ onde pode vir,
meu pai, uma raiva do tamanho dessa?
Raiva maior que nunca vi,
nem que nunca se há de ver
ou de lê em poema ou em peça
ou no cinema ou na novela...
raiva nunca vista,
nem em visita
de asilo, ou em fofoca de revista...
sem visto, carimbo, passaporte
ou cachimbo...
dessas que vem, de repente,
e nos consome
tão rápido que a gente nem sente,
feito fome
e vai subindo e nos consumindo...
cada vez mais
e mais...
pouco a pouco, aumentado
e acumulando, no estomago
e no peito de um home
de respeito, mas sem pão
ou ocupação.
- Sabe, desse tipo de sujeito,
que tem em toda geração,
mas cada uma de um jeito
e c’um nome divergente,
devido a moda e ocasião
e à conjuntura ou a corrente.
Pode escolhê,
professô riponga,
sambista boêmio,
estudante comuna,
artista vadio,
operário desempregado,
trabalhador organizado...
dá tudo no mesmo
tudo barbudo, mal arrumado
fidido e maconheiro,
enraivecido e esfomeado,
que quando tá de frente
parece que tá de lado
e quando tá de lado, some. -
Raiva doida e cega
dessas que vem, de repente,
na contramão da placa de saída,
tomando a gente pelas prega
e pelas veia
que incham sob a pele sem vida
e pula
e satura
e jorra, jorra...
jorra o sangue,
a mingua, mas a cada instante
feito cachoeira
espumando cada vez mais
e mais
de raiva e canseiras,
tédio e ódio
e mais, e mais, e mais... tudo
de volta pro coração.
E o coração se embriaga
dessa raiva toda
tonta, louca e desvairada
e ela vai crescendo,
avassaladora, no nosso peito
não escolhendo
direção, nascente ou leito:
pra cima, pra baixo, pras esquerdas
e pros direitos,
tomando a gente todo de um jeito
que o único jeito de se aquietar
e de tentar acalmar e diminuir,
e, ao menos alguns segundos,
acreditar que vai sumir
toda aquela vontade súbita
de matar, bater e cuspir,
é gritando!
E grito.
Grito, canto,
vomito,
danço, louvo,
choro
e rio.
Rio desse coração ingênuo e paspalho
embora metido à maroteiro
e cansado,
que se ouriça todo no puleiro
que nem galo brabo,
em dia de rinha ou de festa
e diz que vai matar a rodo,
diz que vai fazer
e vai acontecer,
mas na hora do vamo vê
revê a raiva se esfumaça
lenta e calmamente
no ar, e no peito
e se perder
em gritos, versos, acordes
sorrisos ou beijos
de deboche.
Morro do Estado, Niterói,
Madrugada de 9 para 10 de janeiro de 2014
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