sexta-feira, 3 de abril de 2020

Contra-a-dicção, ou, Meditação ao contrário



Contra a disposição, a cama...
Contra a disciplina, a pessoa...
Contra o desapego, as dívidas...
Contra diga contra,
contradizendo Lisboa.
Contra a vida, a solidão.
Contra a quietude, o caos.
Contra o rio que corre,
de encontro à imensidão do mar,
a energia de morte,
do dinheiro líquido
de sangue, papel e lama.

Contra mim,
eu mesmo
contra tudo e contra todos...
Contra eu mesmo
muitos eus contrários
ao encontro
com outro si mesmo,
contrário a qualquer eu,
justamente, por contrariar
a contradição do ser
- desencantado
decantado
desencontrado do múltiplo -
que se diz uno,
que esconde
e explora
nalgum eu.
Contradiga.

Contra diga contra.
Contra-agigantar-se..

Na contradição é que se encontra,
o conflito operante
daquilo que vem a tona
no silêncio de toda zona
que, outrora errante,
se concentra no mergulho
silenciante
pelo contraditório caminho...
avante,
sem brilho
nem fraco nem ofuscante...
mergulho contra orgulho...
(des)angustiante de si.
Despedaça o embrulho
do eu vacilante,
entediante em si,
em toda atividade.

Mediação antimeditabunda,
meditação antimoribunda,
me-editar no conflito...
contraria o ascetismo
caotiza o silêncio
para silenciar o mergulho,
sem qualquer pretensão 
de sentido ou ordem unívoca.

Mergulho de encontro
ao si mesmo,
d’águas turbulentas e sujas
sobre a superfície,
ao contrário do fundo
so(m)briamente límpido,
silenciosamente gélido
onde se contra-encontra, 
se perde, se despede,
se contra-espelha,
o contrário de si,
a contradição em essência,
o contra-eu...
o meu contar (ia) a mim.
Contradigo
e encontro
meios meditativos...



Vila Isabel, 19 de janeiro ou 2 de abril de 2020.

Nenhum comentário:

Postar um comentário