sexta-feira, 3 de abril de 2020

Fluxos em Quarentena



“Contra as paredes do triângulo,
em direção ao fora,
eles exercem a irresistível pressão da lava
ou o invisível gotejamento da água.”*

Uma gota ,
que pinga,
sem parar...
Um lamento,
que soluça,
sem chorar...
Uma rima,
que sofre,
sem cessar...
            Um contagio,
que alastra,
pelo ar...
Um vírus,
que mata,
sem pensar...
                        Um medo,
que prende,
sem curar...

Pandemia... Pandemônio...
Paladar!
Tristeza – Solidão:
Nosso Lar.

Na cama vazia,
entre dois,
um abismo –
das multidões fugidias
de fantasmas aflitos
em confinamentos vulcânicos...
Palavras não ditas,
(dis)culpas não perdidas,
dores não (mais) sentidas
            de (já) tanto sangradas
em feridas (des)estancadas.

            Feridas incuráveis
entre
cicatrizes inseparáveis.
Fluxos ou mágoas,
não mencionáveis.

Quando tristeza é vida
e a vida é o que míngua,
nos passeios errantes das lembranças
de um amor que finda.
Sem andanças ou lágrimas, 
enclausuradas em palavras 
e desesperança.

Uma piada,
que cala,
sem ninguém rir.
            Um corpo,
que cai,
            sem ninguém sentir
                        falta
ou saudade.
                                               A solidão final,
sem solução vital,
do Suicida,
no chão frio,
- entre fluxos diversos:
versos de sangue,
palavras miraculadas
e lágrimas castradas –
                                               da rua abafada e deserta.
                       
“Quem não sente
nos fluxos do seu desejo
a lava e a água?
Afinal, de que estamos doentes?”
           
                        O corpo
que falha...
(auto)trancafiado.
A mente trabalha,
fluxo amotinado...
emoção atrapalha,
recai-se no mimado
regime de espetáculo:
corte de navalha
ou campo minado?

Mas nada falta à Palha
girando
dançando num todo encantado
de uma cura que valha
o valor do inestimado.
Objetos parciais da incógnita ilha...
Terreiro de versos abandonados,
onde a escrita chacoalha,
sobre o pensamento sentenciado
à loucura que se espalha
no coração fatigado...
jorrando plasma nas tralhas.


                                   Não é papo de viado!
Nem de canalha.
Não falo de pecado,
nem da paixão que se estraçalha...
Falo por nada,
nada devo ao Falo...
Ninguém a quem falar,
quando se sente sem ar,
quando já não se tem mais
para onde nadar,
resta-se trancafiado
na ilhota do paladar.
Orgânica, saudável... será?

Baba, merda e prazer,
eis a trindade gastronômica.
Comemos o fantasma,
molecular, invisível
temperado no ar...
Cozinhamos,
em fluxos de medo,
todo e cada,
abraço apertado
ou conversa fiada.

“Nada de originário
nem de derivado,
                                                                        mas uma deriva generalizada.

Aquém e além
do fantasma molar,
velho conhecido
totalmente visível,
que no peito fez lar...
Que investe e insiste
em se (re)comunicar
por sombrios versos
repetidos ou roubados  
- no infinito constante
de cada instante -
decalcados e recalcados,
descascados e requentados:
o modo de produção
do libido perverso...

Amor em tempos de vírus?
Nem vivo nem morto.
O amor - ou será o tempo?
ou seremos vírus? -
está morto ou vivo,
não ao mesmo tempo,
mas cada um dos dois
ao termo de uma distância
que ele sobrevoa,
deslizando.”
                        Genealogizar o vírus,
transexuar o amor,
inocular os tempos,
conectar disjuntos,
produzir poética,
suspender suspiros,
liberar fluxos de vida,
imunizar a Alegria...
“tudo dividir, mas em si mesmo”.
Mutar o si mesmo
ilimitativamente
em “disjunção livre.
Eis, se não (h)a cura,
uma medida provisória,
aos fluxos patológicos
do, viril e atemporal,
desamor atual:
Devir quarentena
            não-triangular;
            multiplicar infinitos
em cada metro quadrado
que se contraenclausurar;
anticastração do vírus,
nos curar da cura
de quaisquer fantasma,
curar-se do eu...
E (sobre) viver,
voar sobre o viver,
deslizando
em fluxos de alegria.
                                                           Mas, afinal, de que estamos doentes?


Vila Isabel, 1º de abril de 2020

[* Os trechos entre aspas e em itálico são do livro O Anti-Édipo, de Deleuze & Guattari; (Trad. Luiz Orlandi; Ed. 34, 2011, pp. 94, 95, 106 ou 107).]

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