domingo, 23 de janeiro de 2011

O Palestrante

Por mais de 50 anos suas tardes de terça-feira foram sempre iguais, ou quase isso. Sempre dava a mesma palestra, quer dizer, uma palestra com o mesmo tema, pois,assim como a tecnologia,os assuntos e a platéia também se modernizaram. No mesmo auditório, às 15h15min, da mesma faculdade que cursava quando começou a palestrar. Os anos se passaram e nunca perdeu a rotina de chegar por volta das 14h30min para começar a preparar as coisas...

Mas naquela semana estava atrasado. O transito estava caótico e ele só conseguia culpar a especulação imobiliária... Em um dos vários sinais vermelhos entre o ponto de ônibus e a universidade ele começou a se lembrar da primeira palestra, o auditório lotado, pessoas sentadas no chão e um final que só aconteceu uma vez: uma guerra contra a Polícia do Exército, que invadira o teatro para prendê-lo e sua platéia tentava defende-lo.

Aliás, durante os dois anos que se passaram foram as únicas vezes que a palestra mudara de lugar, se transferira primeiramente para um porão da PE, depois para um navio-prisão da Marinha, depois para Ilha Grande e finalmente para o exílio na Europa. Mas independente disso e da platéia que o assistia toda terça-feira às 14h30min começava a se preparar e às 15h15min começava a falar para parar apenas por volta das 19 horas.

Finalmente conseguira chegar a Universidade, 15h07min, encontrou o faxineiro Zé no corredor que como sempre o cumprimentou com um sorriso desdentado e uma nova frase: “achei que o Senhor tinha desistido.”

15h26min, finalmente começara. O auditório, assim como há alguns anos, estava vazio novamente. Não se abateu, começou a falar para o vento. Falou, falou, falou...
Por volta das 16h45min empolgado com o ritmo da palestra havia esquecido o vazio. Pediu para que alguém da platéia se levantasse e apagasse as luzes, nada. Reclamando em pensamento de como essa nova geração era mal educada desceu e foi apagá-las. Começou a passar os slides e voltou a falar.

Quando esses acabaram as luzes ascenderam sozinhas e com um susto ele viu que havia novamente uma platéia. Uma jovem de cabelos negros e olhos verde-amarelos estava sentada na dácima-primeira fileira.

Não conseguiu segurar um breve sorriso, mas depois fingiu nem ter notado a nova presença. Com o animo renovado voltou a falar, falar, falar...

A jovem que havia entrado ali por acaso ouvia atentamente o que o velho dizia e aos poucos começava a entender. Compreendia e percebia a realidade dos problemas que ele narrava, chegou a quase ficar abismada com algumas fotos. Continuou a ouvir e entender a gravidade do problema, quando estava prestes a se preocupar sua consciência a lembrou que aqueles problemas não eram dela, que aquilo tudo estava ficando chato e monótono e que já eram quase 17h30min e ia começar Malhação. Meio envergonhada ela se levantou devagar e saiu. Deixando o velho “comuna” louco sozinho novamente.

O palestrante ficou com olhos marejados de decepção, mas fingiu não notar. Limpou as lágrimas com um lenço, comentou que essas luzes novas o faziam suar e voltou a falar, falar, falar...

Mas ninguém o ouvia, a Universidade havia fechado os ouvidos, os olhos e a boca para aqueles problemas que não eram de jovens ou professores...

Ah, que saudades da Ditadura.

3 comentários:

  1. É meu caro, seu conto apesar de fictício conta um pouco sobre como a mentalidade dentro das universidades foi se modificando, a ponto das pessoas se tornarem completamente passivas e preguiçosas, sem nenhum tipo de mobilização!Você está entrando na faculdade agora e verá que é um pouco assim, cabe a você seguir essa onda de passividade ou lutar para que ela "ressuscite". Muito prazer, meu nome é Matheus, serei seu companheiro de curso na Universidade Federal Fluminense! Assim como você também tenho um blog http://vouficarcomapernagrossa.blogspot.com/ espero que possamos trocar ideias a partir daqui e dentro da universidade também! Um abraço!

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  2. "cada um no seu quadrado" e o quadrado como é que fica??? pois é... gostei do conto! até

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