segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Apenas um pedido - prolixo - de amor.



Apesar dessa eterna carinha de menina,
sou uma mulher que já viveu
muita coisa nessa vida...
Já sofri muito nessa vida,
já amei muito nessa vida...
Já vivi muito nessa vida.

Fui amada e rejeitada,
de todas as formas possíveis de se amar,
e, ao mesmo tempo,
sempre
se rejeitar, um pouco,
neste complicado labirinto de encruzilhadas
onde se despacham
sempre ao mesmo tempo
o amor e o ódio,
chamado vida.

Vivi e amei
muito
ao lado de muitos sorrisos e de,
ainda muitas mais,
algumas lágrimas.
de muitos amantes.

Já me considerava aposentada,
falida e abandonada
dos negócios do amor,
sobrevivia com algumas paixões
rápidas e globalizadas
de uma noite no máximo,
Quando conheci seu sorriso
tímido
escondido por detrás da barba
anacrônica de poeta
bêbado
de meia idade.

No brilho sonhador
de seus olhos cansados
sonhei com uma nova forma
inédita
de amar e de viver
talvez até sem sofrer.
E agora,
você vem
me dizer que era tudo
mais uma vez
sonho e ilusão?

Pior,
Você vem me
dizer que aquele brilho sedutor
e ofuscante do teu
olhar era a vingança,
vinda de uma única vez,
de todas as lágrimas que
eu escorri e
fiz escorrer
em amores falidos...
em meus passados?

Não!

Por favor, não.
Não te peço muita coisa.
Apenas uma.

Apenas que me ame
e me engane
me fazendo acreditar que
sou feliz
a cada segundo...
a cada momento...

Só te peço que me impeça
a cada instante
de ter tempo para lembrar
das lágrimas do passado
e poder assim
finalmente sorrir
e viver
num presente comum,
e quem sabe construindo
um futuro coletivo.


9 de dezembro de 2013,
Morro do estado, Niterói (RJ)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O Trovão de três letras



Chovia
durante todo o dia
e, como tudo apontava,
durante toda a noite
choveria
e choveu...

Chovia,
mas não me importava,
não mais,
não a noite...

Chovia
mas mesmo assim estava eu ali
sentado
na mesma janela
de todas as noites...
mesmo naquela
de chuva...
não me importava
pois já estava molhado
durante todo dia,
pois chovia
durante todo o dia...

E ainda chovia
na noite escura
de minha janela
E eu ainda estava molhado
e ainda estava sendo molhado
eternamente
pelas lágrimas de Iansã
que se misturavam às minhas,
que escorreram
escondidas em banheiros e travesseiros
molhados
durante todo o dia
e continuavam na noite
da janela de chuva.

Contemplava e ouvia
sentado
o silencio dos trovões
da Senhora das nuvens de chumbo,
quando
de repente
um novo trovão,
rompeu em meio a silenciosa escuridão
das luzes metropolitanas
nas noites de chuva

inédito e imprevisto,
humano e vivo,
não vinha da chuva
e sim de todos os cantos
onde homens viviam
suas vidas gratuitas e sem sentido,
assim como a minha,
mas por um segundo
acreditaram ver e gritar
naquele trovão de três letras
um novo sol surgir
na noite de chuva.

Gol!

Mas tão de repente quanto
surgiu
sumiu, e
assim como todos os
trovões
no segundo seguinte foi
novamente
engolido pelo silêncio
escuro
das noites de chuva...
E eu continuei ali
sentado na janela
observando as silenciosas melodias
dos trovões de Iansã,
durante toda a noite.




6 de Novembro de 2013
Morro do Estado, Niterói

domingo, 27 de outubro de 2013

Sorriso de Fogueira

A noite estava fria,
mas minha mente fervia
e a única esperança
para meu resquício de sanidade
era, talvez,
um banho de
mar.

No momento em que
meu primeiro pé
afundou na areia
senti meu rosto ser beijado
com força e ternura
pela carinhosa fúria de Iansã.
Me despi e corri,
com os braços abertos,
para os abraços salgados de Iemanjá.

Após longos minutos
de prazer e aventura
nas bênçãos e sermões
das ondas de Janaina
me decidi, já cansado,
por voltar a terra firme,
para dedicar
estes versos
às santas negras
de escravos
e sambistas.

Contudo,
tomei um susto,
com o que vi,
quando virei para a praia:
Por um segundo,
vi Xangô Minino
pulando uma fogueira de São João,
no meio da areia!

Quando cheguei mais perto,
saindo do reino de Princesa Ina
e afundando
novamente
os pés na areia,
vi que, na realidade,
a fogueira
era o lixo da cidade
queimando
para esquentar
uma família de mendigos...
E o meu Xangô Minino
era, na realidade,
o filho caçula
desta.

Fiquei parado,
um tempo,
olhando
aquele menininho esfomeado
correr e pular envolta da fogueira
de lixo
como eu fazia a anos atrás nas fogueiras
da noite de S. João...

Quis escrever para ele...
Escrever versos que
eu sabia
ele jamais leria...
Escrever para conta-lo que
Xangô, o Orixá da Vida,
possivelmente
havia esquecido
daquelas existências.
Escrever para dizer
aquele pobre menino negro
que seus Deuses,
assim como todos os outros,
não existiam.

Mas não lhe disse nada.

Quem,
na realidade,
disse algo
foi seu sorriso,
que brilhava dentro da escuridão,
refletindo as luzes
da espada de Ogum
e da fogueira de Xangô,
ainda que de lixo.

Aquele sorrisinho brilhante
daquele menininho
pretinho
magrinho
e fofinho...
O sorriso de Xangô Minino
me explicou
que quem havia esquecido
àquela família
-que só sobrevivia,
graças a vida
que emanava daquele
sorriso-
não foram os Deuses,
mas sim os homens.

Naquelas gargalhadas
de infância e calor
ouvi o canto em Iorubá
e os gritos
de seus antepassados
no tronco
ou no Quilombo.

Me despedi daquele sorriso
e de seus Orixás
e desejei
silenciosamente
ao pequeno Xangô que,
assim como para seus antepassados,
seu verdadeiro Deus fosse a Liberdade
e suas santas a Luta e o Amor.



Jacarepaguá, 26 de Outubro de 2013

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Uma História de Simones e seus maridos.




Meu nome é
Simone da Conceição.
Simone,
por causa de minha avó:
Maria Simone,
ou Dona Simone...
e da Conceição,
pois nasci dia dois de fevereiro,
dia de Yemanjá.

Não sou negra,
nem branca.
Tenho cor de brasileira,
tenho cor de samba,
cor de mulata.
Sou mulata.

E, apesar dos anos
e dos dois filhos,
JB e Jorginho,
há quem diria
e diz
ainda
que uma Senhora Mulata,
modéstia a parte.

Cresci ouvindo estórias,
de mamãe e vovó,
sobre meu avô.
Que morreu
alguns anos
antes de Deus
me enviar pra cá...

Zé Navalha.
Aquilo sim era um verdadeiro
negro.
A pele cor de jambo,
mais de dois metros de altura,
aquele nariz colossal e lindo,
aquele olhar grave
ou doce,
e sabe-se lá o resto...

Quando mamãe dizia isso,
“sabe-se lá o resto”
por algum motivo que
nunca consegui entender ao certo qual,
vovó ficava com a pele
completamente
vermelha,
cor de sangue,
realçando seus olhos
verdes,
um sorriso
jovem
brotava em seu rosto
–sorriso que só conheci nos momentos em que falava de vovô-
E brigava, sempre, com mamãe,
e logo mudavam de assunto.

Zé Navalha.
Meu avô.
Aquilo sim era um verdadeiro
malandro.
Um dos melhores capoeiristas
daqui do Morro do Encontro,
onde nasci, cresci, vivi
e ei de morrer...
isso, na época em que
malandro
não tinha facção
e só tinha dois inimigos:
um temporário,
aquele que batalhava
com ele
nas rodas de ginga e facas,
e o outro,
eterno inimigo,
a policia e suas fardas.

Zé Navalha.
Vovô.
Além de tudo, era um verdadeiro
Homem.
Forte,
de caráter e braço,
carinhoso e corajoso.

Isso nunca me foi contado
por palavras faladas,
mas sim,
muitas vezes,
por palavras sorridas
e\ou brilhos perdidos
no olhar
de Dona Simone.

Dona Simone, que,
por sinal,
essa sim,
era uma verdadeira
Mulher.

Nunca foi de ficar na
sombra
de marido...

Mostrou-se,
aos 16 anos, a
mulher
corajosa e independente
que sempre foi,
e ensinou
e obrigou
as filhas
e a neta
a ser.

Largou a casa de Pai Doutô,
lá no asfalto,
pra subir o morro
e vir mora com o
malandro
que encontrara com seu coração
numa mesa de sinuca
e conversa
ao pé do Morro do Encontro
que frequentava
desde que virara moça.

O malandro
virou sapateiro
e a moça,
a partir de agora,
Dona Simone.
Inaugurou a
sina
de todas as
mulheres
que nasceriam,
sempre
mulheres,
na nova família
de mulheres
que se formava:
Os ‘docinhos de Simone Navalha’,
E por herança
ou maldição
de suas quatro filhas
e, depois, também
de sua neta,
Simone da Conceição.

Sucesso entre todas as madames
do Méier à Vila Isabel.
- hoje apenas vovós
de criancinhas fofas
da classe média
mas ainda boas freguesas,
junto com as duas
sucessoras gerações
de madames-

Mas Zé Navalha,
vez por outra,
arrumava
uns trocados extras
com um ou dois sambas
de cachaça e sinuca.
E, segundo Dona Simone,
que controlava todas as finanças
da Sapataria,
dos docinhos
e até do botequim depois da janta,
por serem dinheiro da boemia,
deviam ser gastos com boemia.

E eram.

Dai aquelas fotos antigas,
dos grandes sambas
que aconteciam
na Lage de Dona Simone,
que duravam dias seguidos,
regados a feijoada, cerveja e docinhos
até acabar o dinheiro...
em comemoração ao
novo samba
de Navalha.


Também aos dezesseis anos,
conheci eu,
Simone da Conceição,
meu amor,
meu negão,
meu xodó...
Jardel.

Jardel.
Também cor de jambo,
também dois metros de altura,
também sapateiro
e sambista nas horas vagas,
também boêmio,
porém boêmio do século XXI,
boêmio alcoólatra...

Mas com 16 anos,
Jardel me encontrou
numa noite estrelada,
e veio dançando um break...
de uma forma sexy e complicada,
como eu só tinha visto na fita cassete
que havia ganhado de aniversário
de uma cliente antiga de vovó...
e assistia o dia inteiro
na humilde tv
da cozinha de vovó...
a única, na época, da família,
de mulheres
doceiras....
e ficava sonhando
com aqueles crioulo-gringos
e seus cabelos escovinha bem cuidados...
que só existiam na TV,
pensava eu.

Jardel não era gringo.
Mas era crioulo.
E dançava break.
E tinha o cabelo escovinha
quase
bem cuidado...
E era lindo...

Pra mim Jardel era
a versão anos 80
do Exu pilintra,
amigo de vovô,
que invadia meus sonhos
todas as noites,
coberto de romance
e luxúria.

Mas Jardel não era um Navalha.

De meu marido,
ao contrário do de minha avó,
não posso dizer que
aquilo sim era um verdadeiro
Homem.

Homem não bate em mulher.
Homem de verdade
cuida
de sua mulata
como a seu melhor amigo,
pois sabe, que ela
na realidade
o é.
Sabe que ela,
na realidade,
não é verdadeiramente sua
em porra nenhuma...
ela é livre,
é uma Mulher
que está ao seu lado,
e não em sua
sombra,
simplesmente porque
quer
e enquanto
quer.

Pelo menos
era assim que
vovó Simone
dizia que devia
ser.
Mas não era.
Não foi.
Não é...
nem mesmo agora.
Nunca foi.

Sempre ouvia as palavras de minha
avó,
mesmo muito depois de ela partir,
em minha
cabeça
todas as noites
quando Jardel chegava
bêbado
e me batia
me batia
me batia
e me xingava
e me batia
e dizia que a culpa
dele não conseguir morar numa cobertura,
dele não ser um grande sambista,
dele ser um sapateiro fudido
de merda
que não consegue sair
dessa merda de Morro
do Encontro
de merda
era minha.
E tudo que eu
ouvia
era a voz
de minha
avó.

Mas talvez realmente fosse
minha
a culpa.
Pois apesar do
silencio
que fazia quando Jardel,
sóbrio,
me contava seus planos e sonhos,
nunca quis saí do Morro do Encontro.

Pra que?
Pra morar em uma cobertura
com vista
para um morro igual ao meu,
na mira
de balas perdidas
dos traficantes iguais aos do meu morro,
só que
de outro morro
parecido
com o meu
mas que não é o meu?
Pra ter medo de passar
com as crianças
na frente desse morro
e pensar que
a pele
dos moleques que saem de

é mais preta
que a pele
dos meus neguinhos?

Não Jardel!

Foi isso que eu disse pra ele.
Foi isso que eu disse pra ele, vovó.
Foi isso que eu disse
quando ele
veio me xingando,
hoje mais cedo,
e tirando o cinto
pra me açoitar
mais uma vez.

Eu disse:
Não Jardel!
Hoje não!


Mandei as crianças irem pra casa da avó delas,
no alto do morro,
e peguei a navalha
de barbear
que já tinha posto
ao lado do fogão
mais cedo
quando a dor
e a angustia
me dilaceravam
e me aporrinhavam as ideias.

Com a navalha na mão,
olhei para seu rosto assustado
e paralisado
e repeti:

Não Jardel!
Não! Hoje Não!

Sou Simone da Conceição.

Simone,
por causa de minha avó,
Maria Simone,
Dona Simone,
uma mulher de verdade,
que você conheceu,
mas, infelizmente,
meu Pai já levou pra junto Dele,
e pra junto de seu marido,
Zé Navalha.

O maior malandro que esse morro já viu.
Pena que você não conheceu...
nem eu...
Mas Dona Simone,
nunca foi mulher de malandro,
nunca admitiu que homem nenhum
batesse
nela,
nem em suas filhas
nem em sua neta...
mesmo sendo esposa
do maior malandro
desse morro
de merda
que deu a luz a mim
e a você...

Zé Navalha
que, infelizmente,
você não pode conhecer
para ver,
quem sabe,
se aprendia a ser...

E da Conceição,
pois nasci dia dois de fevereiro,
dia de Yemanjá.

Sou Simone da Conceição.
Filha de Yemanjá com Ogum.
Filha da Rainha dos Mares
com o Santo Guerreiro.

E hoje recebi uma visita de meu Pai,
e ele me jurou que
a partir de hoje
nenhum homem mais
tocará em mim
sem que seja
para me dar
prazer.

Prazer, Jardel.
Tesão. Amor. Lembra?
Não isso!


E enfiei-lhe a navalha na barriga.

Lá ela está até
agora,
junto com ele,
em sua barriga
na cozinha.

Com seu sangue,
com o sangue de meu
amor,
mesmo que um amor burro,
um amor idiota,
um amor errado...
o sangue
de meu amor...

com teu
sangue
escrevi estes versos
pelas paredes da casa
para que leiam,
nossos pequenos
filhos...
meus únicos amores
verdadeiros
e certos
nesta vida...
Os primeiros
Homens
da família de Dona Simone
e Zé Navalha.
Filhos do Morro do Encontro
e dos Orixás...
Filhos de um amor
manchado
de sangue,
mas ancestral
de um
outro amor
puro
e doce
como o gosto de cerveja
e tristeza
de um bom samba.

João Batista,
por favor
leia tudo em voz alta
para seu irmãozinho
Jorge
que ainda não sabe ler...

Mamãe ama vocês.




Setembro de 2013
Morro do Estado, Niterói (RJ)

domingo, 29 de setembro de 2013

Fumaças de uma manhã de Domingo.




As duas fumaças
se encontram
e se misturam
e se confundem
no ar limpo
e calmo
de uma manhã
de domingo
ateu.

Enquanto,
há mais de dois mil anos,
os homens
e sobretudo
as mulheres
correm, lá fora,
a procura de uma
salvação...
Seja de Cristo
ou da Ambev...

Enquanto
eles correm
há mais de dois mil anos
aos domingos
de manhã,
eu estou aqui,
parado,
sentado,
com o sono
dos que acabam de
acordar
de ressaca
num domingo de manhã.
Contemplando
o mais próximo
que os homens
poderão
achar
de uma salvação:
a(s) fumaça(s).

Uma,
densa e preguiçosa,
sai do incenso.
Coberta por um cheiro
de alma
de vida
de sabedoria...
E por sons
melodiosos to
de mantras
sagrados e relaxantes
das cordas de uma
guitarra elétrica.

A outra,
rápida e furiosa,
vem do
cigarro
em minha mão direita.
Rasgando o ar
da manhã
dominical
com outro cheiro
de morte,
de ódio
e de prazer...
O cheiro de uma ressaca,
num domingo de manhã
envolto
pelo doce som
do silêncio.

E as duas fumaças,
uma lenta e a outra
veloz,
uma pesada
como a sabedoria tímida
das idosas portuguesas
e a outra leve
como a vida
rápida e intensa
de um suicida
frustrado.
As duas brancas...
se encontram
se misturam
se confundem
ao pé da janela,
para tomar
juntas
e homogêneas
o vento forte
de uma manhã
de domingo
de primavera.



29 de setembro de 2013,
Morro do Estado, Niterói (RJ)

A voz de uma lua.


Me cansei
de olhar o mar
e procurar
inutilmente
entre as ondas
e as estrelas
o sorriso quente
e irônico
de uma lua nova
e de folga...

Voltei pra praia
e encontrei
na areia do mar
o sorriso tão procurado,
cercado de melodias
e versos...

A pele branca
e marcada,
de luta e sabedoria,
da Lua
estava coberta
por um vestido,
azul ,
ou branco...
já não me lembro mais...
Não me interessava o vestido.
Mas sim a pele
e o sorriso...
A pele branca
de nuvens de fumaça
sorridente
que envolvia seus pulmões
e seu coração
nas negras curvas
de um violão.

O violão era negro,
como seus cachos
e o abismo de seu olhar...
E era acompanhado
de uma voz
grave,
angulosa,
arrebatadora...

Uma voz de Deusa...
Uma voz de menina...
uma voz de mulher...
cercada de sensualidade
e sabedoria,
coragem
e improviso...
a voz da Lua...
a Voz de
Nossa Senhora do
Silêncio.

Saravá!



Uma singela homenagem à uma grande cantora desta nova geração de loucos e artistas do Centro de Niterói, Nathy Cristo.

Yan Venturin,
Praia da Boaviagem, Niterói (RJ)
29 de setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Oração à Bethânia





Obrigado, Bethânia.

Pois
com seu olhar,
poderoso e vertiginoso,
conheci
e aprendi
o(s) oficio(s) de se subir,
descalço,
em um palco.

Obrigado.

Pois com seus cachos,
volumosos e longos,
aprendi a seguir
todas as direções
apontadas por meus cachinhos,
bagunçados e perdidos.

Obrigado.

Pois com seu grave nariz,
suas rugas e seus cabelos brancos,
aprendi que a beleza
é algo muito mais complexo
que simples estereótipos
ou idade...

Obrigado.

Pois com seu pé quente
e sua cabeça fria
aprendi a caminhar
pelas estradas de minha vida,
guiado pelos Orixás
negros e vermelhos.
Baianos e europeus.
Santos e ateus.
Mitos ou fatos históricos,
porém Homens,
seres humanos,
embora muitas vezes
tratados como animais,
ou pior.

Obrigado.

Pois nos imprevisíveis,
impecáveis
e inigualáveis
tons de sua
voz
aprendi, reconheci, lembrei e vivi
a dor, a felicidade, a fé, o ceticismo,
o humor, o drama, a arte, o tesão,
o abandono, o desespero, a resignação
e o Amor.

Obrigado.

Pois com sua
música
aprendi,
e estou aprendendo,
ainda,
a sobreviver
e tentar existir.

Obrigado.

Pela poesia
que inspira
e ensina
esses versos,
ainda
frágeis e fracos,
inocentes e, quiçá,
infantis.

Obrigado, Bethânia.

Por existir
e me ensinar
a sobreviver.




Niterói, Morro do Estado, 11 de Setembro de 2013

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Desde que o samba é samba

A tristeza é senhora,
Desde que o samba é samba é assim

A lágrima clara sobre a pele escura,
a noite e a chuva que cai lá fora
Solidão apavora,
tudo demorando em ser tão ruim
Mas alguma coisa acontece,
no quando agora em mim
Cantando eu mando a tristeza embora

O samba ainda vai nascer,
O samba ainda não chegou
O samba não vai morrer,
veja o dia ainda não raiou
O samba é o pai do prazer,
o samba é o filho da dor
O grande poder transformador



João Gilberto

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Dialogo II




Oi.
Oi.
Tudo bem?
Apague o cigarro, por favor.
Como?
Apague o cigarro, por favor.
Tudo bem?
Apague o cigarro! Por favor...

Mas você está fumando!
Mas eu posso... Você não pode...
Como assim? Por que?
Apague o cigarro, por favor.
Mas, você... está fumando!
Mas eu posso... Você não pode...
Apague o cigarro... por favor!
Por que?
Apague o cigarro, por favor.
Por que?
Você não está fumando?
Mas eu posso...
Eu combino com o câncer.
Mas você não...
Tão jovem...
transbordando vida...
Você não pode!
Eu não posso?
Por que?
Apague o cigarro. Por favor...


Não!
Apague você, que já é quase morta!
Eu sou jovem!
Sou livre!
Sou vivo...
Eu transbordo vida,
eu transpiro vida,
eu gozo vida,
eu vivo vida...
Eu sou vida o tempo inteiro!
O tempo inteiro!
A cada segundo!
A todo segundo...
é angustiante!
Eu preciso de um pouco de câncer pra viver...

Não! Você não pode!
Apague o cigarro, por favor.
Mas você está fumando!
Mas eu posso...

Porque?
Porque eu estou quase morta...
eu combino com o câncer.
Sou de uma geração ignorante.
Para nós era bonito fumar...
Tinha comercial de hollywood na TV a cores...
Tanta gente bonita...
Tanta vida...
E fumávamos desde de novos,
muito mais jovens que você...
alias...
tão vivos..
Tudo mentira!
No que deu?
Uma geração de quase mortos afundada no vício...
Uma geração de ignorantes.
Uma geração ignorante!

Mas você não...
Tão jovem...
Você não pode!
Você não pode cair no meu erro...
Você é de outra geração,
uma geração com internet,
sem o cinema,
com a ciência,
com a estatística,
as cavernas do dragão
e, até, o Steve Jobbs!
A geração Coca-cola já tava sendo ultrapassada quando você...
nasceu...
Você é novo.
De uma geração nova.
Uma geração que transborda vida!
Uma geração verde,
rosa,
roxa,
azul beardeau,
amarela,
uma geração arco-iris!
Apague o cigarro. Por favor!
Você não pode...


Vida?
Minha geração já nasceu morta.
Já nasceu no poço que vocês se afundaram.
Nasceram de vocês,
no fundo dele
e nunca souberam,
ou saberão
o que é vida!
Eu combino com o câncer.
Como câncer desde que nasci
diariamente
Cago câncer desde que nasci
diariamente
Escovo meus dentes com câncer desde que nasci
quase que diariamente...
Eu combino com o câncer.
Eu sou o câncer.
Sua geração era
uma geração ignorante que
por ignorância
ou egoísmo
ou até mesmo
pura covardia
matou seus próprios sonhos e
transformou a vida em câncer.

E eu nasci ai.
Nessa geração que veio após o Câncer.
Uma geração sem sonhos...
uma geração que não pode
nem optar
por ser ignorante,
pois não era
nem nunca foi
nada.
Eu combino muito mais com o câncer.

Apague o cigarro. Por favor.


Adeus!

Fique!
E apague o cigarro, por favor...





Niterói, Morro do Estado, 4 de Setembro de 2013

sábado, 31 de agosto de 2013

Orgasmo



Os cães e os bêbados
uivavam para a lua,
cercada de nuvens
e de sonhos,
brilhantes,
no alto da janela...

Ele chegou, de repente,
batendo a porta
e me chamando de querida...
Fedia a versos e cachaça...

Atravessou,
de mansinho
a cozinha,
e beijou minha nuca,
desfez meu coque,
com o sorriso
e começou,
levemente,
a baixar as mangas
de meu vestido.

Me virei e encarei
primeiro seu queixo,
e depois,
subindo
um pouco
os olhos,
suas olheiras
e sorrisos.

Quando um destes se atrapalhou
entre alguma das piadas,
ou dos beijos,
que jorravam apressados de sua boca,
lhe roubei o cigarro,
que havia acabado de ascender,
e o fiz se sentar.

Estava sentado, na minha frente...
Seu olhar doce estava na altura
de meus seios
e os fuzilavam.
Com um único, silencioso e leve gesto
me despi.

Fiquei nua, de pé,
na sua frente,
esperando que se levantasse
para beijar e amar
cada centímetro de meu corpo
e de minha alma...

E ele se levantou,
e beijou-me
e amou-me
nos amamos...

Nos amamos com um ardor
quase que promiscuo,
não fosse a benção da Lua
brilhante
no alto da janela de cães
e bêbados.

Apoiados na janela
uivamos
e sopramos nuvens
de prazer e paixão.

Após o gozo final,
obsceno e purificador,
se deitou entre minhas cochas,
ascendeu mais um cigarro,
acordou o violão
e se pôs a cantar.

E assim viramos a noite,
nus e entrelaçados
entre a cama e o violão
cantando versos
de cachaça, orgasmos e amor.



22 de Agosto, São Pedro da Serra

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Interminável


Quando era criança
e ia à praia
com meus pais
fazia castelos de areia,
sempre próximos o suficiente
do mar
para que este
viesse e destruísse
tudo
antes do fim.
Podendo, assim,
recomeçar a brincadeira
interminável.

Hoje
não preciso mais
de ajuda
do mar.
Continuo construindo
castelos de areia,
mas sou independente.
Eu mesmo destruo meus sonhos,
cotidianamente.
Recomeçando,
todos os dias,
a ilusão
e a angustia
intermináveis.


Niterói, Morro do Estado, 1 de Agosto de 2013

sábado, 22 de junho de 2013

Meu Muleque





As flores da primavera que vem crescendo em meio ao asfalto e caos da cidade dita Maravilhosa.


Hoje meu filho apareceu na TV.
O vizinho vascaíno que me contou.
E ele que sempre sonhou em ser ator,
quem sabe da novela das nove,
e agora aparecia no Jornal Nacional...
que alegria maior
uma mãe podia ter
de ver seu rebento
tão próximo do sonho
de infância?

Mas não há do que se orgulhar,
Maria,
seu muleque é um dos
vândalos
lá do centro da cidade...

Vândalo?
Meu filho?
Meu guri?
Meu muleque?
Jamais!

Ele foi pra rua,
com uma flor em uma mão
e uma pedra na outra...


punho em riste
e muitos sonhos na cabeça,
e na garganta.

Gritava por Paz, Liberdade, Igualdade...
Lutava pelo Poder do Povo.
Por um mundo,
e não apenas um país,
onde não houvesse exploração
nem violência.
Onde o homem
não fosse mais
seu próprio lobo,
como falaram
de meu muleque,
mas como
mais um
companheiro
de matilha.

Era por isso que
meu menino
marchava.

Por seus sonhos.

Levantava a flor
com o riste punho quando
os verdadeiros
vândalos
chegaram,
com suas bombas
de borracha
e tiros
de pimenta.

Meu filho
trocou
a flor
pela pedra,
que fez voar
na fumaça
no sentido
da repressão.

Pintou nas paredes
e nos muros
seus sonhos,
e gritos.

Gritou por Paz
e sonhou com ela,
mas não recuou
diante da violência
da ditadura
do capital
e lutou
com a garra de Davi
contra o Golias Burguês
e seus porcos fardados.

Com estilingues
e fogueiras de São João
meu guri
se tornou
mais um
na massa,
no povo,
na classe.
E naquela noite
a rua
era deles...
dos moleques
e dos utópicos...
a policia
fugia,
as bombas
eram chutadas
de volta,
ninguém recuava
e nem paravam de cantar.

Fizeram uma festa
e também uma guerra.

A adrenalina
inflamava
a alegria,
a emoção,
o arrepio...
mas
também
a raiva,
o medo,
a vontade de
vingança...

Arrancava
do fundo da garganta
o grito de revolta.
E impulsionava
os corpos,
a flor da pele,
pra cima dos porcos,
pra cima dos bancos,
dos empresários,
dos opressores,
dos inimigos...

Na TV
meu muleque
apareceu
colorindo
um prédio
cinzento
com uma linda
frase
vermelha
de medo
e coragem:
“Não é vandalismo,
é acerto de contas!”

Seguiam
em paz
e em festa,
até o Estado
e suas armas
chegarem.
Alguns lutaram
outros correram
outros quebraram...
Muitos choraram.
Todos gritaram.
Todos gritaram
e sentiram
o grito
de dor
e da raiva
que levou
meu filho
às manchetes
dos jornais.

Vândalo?
Ele só queria
realizar
seus sonhos.

e por isso
ainda
não voltou pra casa.

Eu sei
que ele
só voltará
quando
o mundo
com que
sonha
esteja
nascendo.

Mas para o mundo
de nossos filhos
nascer
é necessária
a morte
do mundo
de nossos
avós.
O mundo
dos verdadeiros
vândalos.

O mundo
do Estado,
da Burguesia,
do Capital,
da fome,
do Mc Donalds
da exploração,
da TV,
da Ditadura,
da Coca-Cola,
da violência...
dos vândalos.

E é por isso
que
meu muleque
está
lá fora,
na TV

e lá estará
enquanto
os vândalos
ainda estiverem
espalhando
suas bombas
de borracha
e porcos
de pimenta.



Niterói, Morro do Estado, 22 de Junho de 2013

sexta-feira, 21 de junho de 2013

À Teixeira Fialho.

No ar,
uma neblina fria das montanhas,
envolve o caloroso abraço de amor.

A fumaça dos cigarros
é multiplicada pelo frio
que os mesmos tentam,
inutilmente,
expulsar,
junto com as lembranças
e magoas da cidade.

Um frio congelante e apaixonante.

Um vento gelado,
que desce as montanhas de Carlos e Milton,
tomando praças e ruazinhas de paralelepípedos,
entrelaçando mais e mais
aqueles corpos
embriagados de cachaça e caricias
estendidos ali
naquele mar de morros e gramados
contemplando o Universo.

Incontáveis estrelas flutuavam,
ambíguas,
sobre as cabeças
unidas pela grama,
apresentando-lhes o infinito.


Teixeiras (MG), 17 de junho de 2013.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

E depois, Jacarepaguá.

As paredes e degraus
ao meu redor
gritam
o silencio esfumaçado
de cigarros escondidos
num passado distante
mas ainda,
sempre,
presente.

Meus sujos dedos,
do pé,
balançam
num tédio angustiante
de soluços
e gemidos
antigos
que escorrem pela escada.

Não sou o moleque de ontem,
nem o homem de amanhã.

Sou essa fumaça
branca e quieta
que caminha
confusa e tranquila
pelo ar,
ignorando as leis da Física,
dos homens
e de Deus.
Transbordando um silencio nostálgico
e um sorriso utópico.

Ateu por escolha
e sonhador por natureza,
cá estou eu,
mais uma vez,
nesses degraus,
escrevendo
tolos versos
sem sentido
de tédio
e marlboros vermelhos...

Apaixonado pela lua
e eterno amante da neblina,
sigo
confuso e tranquilo
por mais uma caminhada
pela madrugada de Jacarepaguá.



Rio, Jacarepaguá, 10 de Junho de 2013

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Paisagem - Vinicius de Moraes

Subi a alta colina
para encontrar a tarde
entre os rios cativos
a sombra sepultava o silencio.

Assim entrei no pensamento
da morte minha amiga
ao pé de grande montanha
do outro lado do poente.

Como tudo nesse momento
me pareceu plácido e sem memória
foi quando de repente uma menina
de vermelho surgiu no vale correndo, e correndo...


Saravá!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Cigana

Uma menina sonhadora e carinhosa,
ou uma mulher livre e perigosa?
Uma misteriosa encarnação da arte...

Com dreadlocks cacheados
dançando sobre os ombros
e um bambolê rolando pelo corpo lindo,
ela desliza pela noite,
acima das montanhas, arranha-céus e barracas vermelhas...

Canta,
com gemidos e versos,
o belo som dos grilos...
ressoando todas as noites,
entre as estrelas, aldeias e serras,
palcos, faróis e sorrisos da lua crescente.

Canta e dança em meus sonhos,
abraçando minhas ilusões
e beijando-me com um hálito quente,
de cigarro e cerveja,
tesão e amizade,
paixão e arte.

Brinca de malabarismo
com minhas certezas
e meus sentimentos.
Me encara com olhos profundos
e lábios carnudos.

Um sonho apaixonadamente ardente
de uma viagem fria e renovadora.

Uma encarnação da arte.
Um sonho.
Uma menina.
Uma mulher.
Um beijo.



Niterói, Gragoatá, 3 de Junho de 2013

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Maio


Sou louco por Fevereiro...
e, por ser filho do Carnaval,
nasci em novembro...
Outubro e Janeiro,
também são meses importantes
para minhas lembranças...
Mas nada me agrada mais
do que o mês de Maio.

Mês de Mães e de Marchas,
com dias de casacos e óculos escuros,
boas vindas, despedidas e rotinas
de um outono charmoso e cativante...

Noites de luas cheias
e dormir de conchinha.
De poesia e rock’n’roll...
Samba e Teatro.

Um mês de marchar e fumar,
beber e beijar,
foder e lutar
rir e amar.

Um calmo,
mas ao mesmo tempo agitado,
mês de outono...
Charmoso...
E cativante.



Niterói, Centro, 8 de Maio de 2013

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Sonho de Liszt

Os muitos fantasmas
que você assume
como forma,
em minhas lembranças,
invadem minha noite como um disco de Liszt
e perturbam meu sono...
Me apavoram e me relaxam...
Me enchem de tesão e de dor...
Me atacam e me massageiam...
Me devoram e me acariciam...
E sonho acordado.
Dançando,
com os fantasmas
de suas lembranças...
e minhas,
por imaginação.


Niterói, Morro do Estado, 17 de Abril de 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Dois

Dois personagens...
Dois amigos...
Dois desconhecidos...
Se conhecendo,
ao outro e a si...
Mil personagens...
Seis personagens...
Dois personagens...

Muito em comum,
e muito de diferente.
Uma poeira que surgiu,
de repente,
no calor da estrada.
Dois amigos...
Dois personagens.
Mil representações.

O conflito e a dialética,
a loucura sóbria e a sobriedade louca,
o amor de irmão e o amor proibido...

Um amor que veio sem ser percebido
e virou amizade...
Dois amigos,
mil personagens .



Niterói, Cantareira, 28 de março de 2013
Para Mateus Ferrari.

domingo, 24 de março de 2013

Anjo das Montanhas

Anjo arrebatador,
de sabedoria modesta no olhar
e mistério observador no sorriso...

Anjo de cantar baixo e coração bom...
Assusta aos que não entendem,
cria ódio nos poucos que tentam entender
e desperta um amor sincero e despretensioso
em todos que desistem de entender
e, simplesmente, conhecem.

E quanto mais o conhecem, mais se apaixonam...
de todas as formas e sentidos do amar...
Amor de mãe, de pai, de irmão, de amigo, de amantes...
Mas és um anjo, que poucos conhecem a fundo...
E ninguém o conhece como eu...

Vindo numa nuvem distante
de um interior qualquer de um mar de morros,
desceu no calor de um carnaval carioca
pra me mostrar a luz do carinho de seus cabelos
e a coragem de seu olhar.

Veio para me ensinar a amar, a crescer e a viver.

Anjo arrebatador e sincero
que “se instalou feito um posseiro”
dentro de meus sonhos,
meus caminhos e
meu coração.


Niteroi, 22 de março de 2013

terça-feira, 19 de março de 2013

Texto I

História... Depressão... Desilusão... Decepção...
Mas agradeço. A História me trouxe estórias de vida...
Amores... Descobertas... Maturidade... E a arte.
Ah arte... A poesia... O Teatro...
Uma nova forma de amar... Uma nova forma de viver.
Meu coração.
E ainda a história. Ainda há história. Mas também deveria haver arte.
Deve haver arte.
Haverá arte.
E haverá arte profissional, militante, apaixonada e subjetiva.
Haverá arte na vida, não só na ideia.
Viver será uma arte.
E teremos um final feliz.


Niterói, Ingá, 19 de março de 2013

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

VelhoJou

Tenta se concentrar no livro que deve ler,
Mas não é possível...
Não com esse calor...

Faz um calor inquietante,
que enche a sala
de um cheiro estranho
um mesclado de preguiça e pena...

A preguiça vem do ventilador e da música,
os únicos amigos agradáveis nesse clima...
tão agradáveis que nenhum compromisso
parece mais importante do que a conversa silenciosa,
entre os três amigos...
e de preferencia com o mínimo de movimento e sons possíveis...
apenas versos, pensamentos e olhares.

A pena, vem com o vento quente da janela,
que traz a vista do engarrafamento e do stress urbano...
Pena, dessa sociedade estupida e falida... e seus órfãos.

Estão presentes, também,
no ar úmido e sufocante da sala,
além da preguiça e da pena,
o medo e a inveja...

Medo da certeza sobre o fato de que um dia,
todos ali, o leitor, o ventilador
e a música,
terão que entrar,
querendo ou não,
naquela fila escaldante das ruas metropolitanas.

E, por fim, a inveja...
Uma inveja nostálgica e pedante,
do vaqueiro azulado e imponente
parado a sua frente,
no maço de cigarros de palha..


Cigarro de palha, este,
que enchia os pulmões e a visão
com o gosto de grama,
tão invejado,
do cavalgar calmo,
sereno e rural de VelhoJou.

Contudo, cigarros de palha apagam,
o tempo todo e,
a cada intervalo,
o calor e o caos do engarrafamento invadem,
novamente, a sala.

Niterói, Ingá, 21 de Fevereiro de 2013

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sobre ele.

Andava sem rumo entre bares e copos
de um bairro nostalgicamente calado,
esquecido entre árvores e praças...
Procurando no olhar de uma loira fria e amarga,
sentada a sua frente,
todas as perdas de seu caminho...

A cada gole ansiava loucamente pela ilusão...
lembrando, para tentar esquecer, os amores passados,
o grande amor de sua viva viuvez
e os três frutos apodrecidos, aparentemente, de uma árvore seca.

Mas, de repente, entre as garrafas da solidão,
surgiu uma surpresa de esperança
e um novo sorriso naquele rosto já tão enrugado de tristeza e decepção...

E, então, que desça mais uma pra comemorar.



Niterói, Ingá, 18 de fevereiro de 2013

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Mais um Carnaval Carioca.

Um Carnaval lindo...
Um carnaval de artes e artistas...
de amigos e famílias...
Famílias... De sangue ou de loucura...
De sangue e de loucura...
De corpo e alma.
Um Carnaval de amigos.

Um carnaval de Iemanjá,
de Ossanha, Marx e Buda...
Um carnaval de Vinicius,
Fransciscos, Wilsons, e Rauls...
Um Carnaval de todos os orixás.

Um carnaval de Vila Isabel,
Mangueira, Leblon, Grajaú e Niterói...
Um carnaval de florestas e Lapas...
Um carnaval de nasceres e pores do sol... de luas
e estrelas... de gargalhadas e sussurros.

Um Carnaval de descobertas e duvidas,
contradições e energias,
pobres e ricos,
cervejas, cafés e guaravitas...
Um Carnaval de amores...
de amigos... de irmãos... de caminhos...
Caminhos que se encontram e se afastam...
ou não.

Um carnaval onde as nuvens continuavam a passar.

Um carnaval do samba, do rock e da bossa...
Um Carnaval de AfroSambas...
Um carnaval de doces e bárbaros,
de praias, cachoeiras e suor...
Um carnaval sem relógios ou celulares....
Um carnaval de encontros.

Um carnaval de muitos carnavais.

Um carnaval de lágrimas,
sorrisos, beijos e abraços.
Um carnaval de secos e molhados...

Um carnaval de abonanças, multidões e amadurecimentos,
sem tempestades ou garoas..

Mais um carnaval carioca...
Mais um quente carnaval carioca...
Mas um carnaval da felicidade...

Um Carnaval lindo.





Niterói, Ingá, 17 de fevereiro de 2013

Niterói, Ingá, 17 de fevereiro de 2013

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Mais um amor de carnaval

Chegou como mais um sorriso tímido,
gingando,
quieto e discreto,
entre os blocos e ruelas
do centro da cidade
naquele segundo dia de carnaval...

Com apenas três ou quatro palavras
o sorriso virou plural e, pouco depois,
mais um beijo ardente de fevereiro
irrompeu entre as ladeiras,
trilhos, paralelepípedos,
poças de mijo e lixo,
curvas e sorrisos de Santa Teresa...

Entidade, esta, que
abençoou aquele beijo,
de espontânea loucura e calor,
sacramentando 4 dias de festa da Carne,
num solstício de prazer e carinho
sob sois e luas repletas de musica,
suor, amor e alegria...

E na quarta de cinzas veio a chuva,
acalmando as brasas,
e uma fumaça quieta e tranquila
deu lugar a loucura convulsiva da paixão.
E os sorrisos se tornaram gargalhadas de cumplicidade.


Rio de Janeiro, Lapa, 10 de fevereiro de 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Mais uma história de amor proibido.


Filho do Caos com a Lua,
meio irmão da noite,
meio irmão da guerra...

Crescido entre a barbárie,
optou pela revolta,
lutou pela liberdade
e pensou a vida...
Viveu, então.

E como todos que vivem livres e sóbrios,
entre os presos e loucos de nossa época,
enlouqueceu.

Em sua loucura criou um desejo proibido,
um desejo pecador, um desejo de amor...

Amor sujo, imoral, nojento e impossível.
Amor familiar... Incestuoso.

Em sua loucura se apaixonou por sua irmã,
filha de sua mãe...
Se apaixonou pela noite
vestida com flores e ventos do campo
e com ela fugiu,
num estouro suicida de pólvora,
deitado no tapete de estrelas
da sala de estar de sua amada...


Niterói, Ingá, 5 de Fevereiro de 2013

A queda do ator

Coração inundado,
pulmões dilacerados,
um sorriso falso engessado no olhar
e, ainda, os enormes latifúndios de soja
nauseando em seu estomago.

Catástrofes aconteciam nas cidades de sua memória,
e cílios desabavam constantemente
com a enxurrada de verão
que brotava e escorria
no rosto de sua alma.

E então, de repente,
abalos sísmicos invadiram sua postura.
E a mascara caiu junto com as pernas
e o personagem
e ficou ali, paralisado, nu...
no meio do palco de sua vida...
conhecendo aquele novo sentimento chamado vergonha.

Niteroi, Ingá, 5 de Fevereiro de 2013

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Lua de São João num amor de São Jorge


“Lua bunita,
me causaborrecimentu,
vê São Jorgie nu jumentu
pisando teu quilarão.”

Lua bonita da vista niteroiense,
brilha bela na janela,
menos que quando soltava foguete,
porque meu amor voltou...

Amor bonito,
muito mais do que sincero,
que foi pra lá de muito longe,
nas espumas e estrelas do mar,
na noite de São João.

Niterói, Cantareira, 23 de Janeiro de 2013

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Batalha do Maracanã


Naquela manhã cinzenta,
as gotas da chuva se confundiam às lágrimas
dos verdadeiros donos dessa terra,
tão explorada,
massacrada, guerreada
e roubada
há mais de 500 anos.

Os soldados do capital chegaram cedo e,
logo, cercaram aquele pedaço de Brasil
esquecido entre as avenidas e radiais da Paris Tropical.

Contudo, os filhos, pais e avós legítimos
desta malcriada Mãe Gentil
não estavam sós.
Jovens, favelados, gays, negros, crianças, professores, camponeses, artistas...
Trabalhadores...
Todos oprimidos e explorados dessa cidade maravilhosa
que há tantos anos padece nas mãos de ditadores e impérios,
hipócritas e sádicos...

Todos os lutadores, que correm todos os dias
entre às águas e ônibus lotados deste enorme Rio de lama e opressão,
vieram se posicionar ao lado de seus ancestrais e de sua história.

Vieram armados... não com arcos, lanças e flechas,
mas com flores, sorrisos e sonhos...
Vieram dizer, junto aos moradores da Aldeia,
aos Cabrais, sejam Pedros ou Sérgios,
Marinhos, Macedos ou Paes...
Viemos dizer que não sairemos.
Não abandonaremos nossa aldeia nem nossa luta.
Não abandonaremos nossas florestas nem as ruas e praças de nossas cidades.
Não abandonaremos nossos sonhos e utopias.
E lutaremos.

Lutaremos até o fim,
até que a chuva não desabe companheiros,
até que se tenha respeito por nosso passado e nosso presente.
Lutaremos até construir o futuro de nossos sonhos.

Rio de Janeiro, Aldeia Maracanã, 12 de Dezembro de 2012